terça-feira, 31 de agosto de 2010

Retrato - É tudo meu...



O autor disso ai que se vê na foto tem uma baita casa num quintal gigante. Invejável? Que nada. Dá muita dó e não é do patrimônio que ele tem. É da falta de coletividade e consciência. O quintal pega da rua Astorga, onde tem um portão principal e vai até a rua Professor Samuel Moura, na Vila Judith, Zona Oeste de Londrina. O quintal é gramado e não faz muito tempo o sujeito comprou uma máquina barulhenta de aparar grama. Nos domingos ele decide democratizar o barulho. Os vizinhos são obrigados a aumentar o volume do som. Nesta semana ele foi ao extremo. Aparou a grama e ensacou tudo em sacos plásticos. Ajuntou oito sacos que foram colocados na calçada dos fundos, junto com um bom punhado de gravetos. Porque na calçada da frente da casa dele é proibido. Pelo local emporcalhado pelom sujeito passa muita gente. O dono da casa com certeza não usa aquela calçada. Os sacos com gramas já secas e os gravetos estão sob a rede elétrica. É um barril de pólvora. Basta uma faísca. O dono da casa acha que é obrigação do caminhão coletor de lixo levar a grama e os gravetos. Nem isso ele sabe. O caminhão só leva lixo doméstico. Ele é culpado? Na atual circunstância não. Pois o poder público que deveria multar um cidadão com essa cabeça fecha os olhos. Aliás, cometo equívocos: como alguém assim pode ser chamado de cidadão? Quando é que o poder público tem olhos? Basta lembrar que na noite de domingo faltou luz na Zona Oeste porque algum porco provocou queimada embaixo da rede elétrica no Jardim Bandeirantes. Esse que coloca todos os vizinhos em risco deve ter um gerador no seu grande quintal.

domingo, 29 de agosto de 2010

Recado - Para breve

Crônica – E agora José?

Para onde, José? O gás acabou. Desgastou-se a imagem. Se pudesse retornar ao passado José pintaria o rosto de verde e amarelo para pedir o impeachment de um presidente da República?

Aguardem e saibam...

Crônica - Rasteiras...

Como no poema de Hans Magnus Enzensberger musicado por Arnaldo Antunes e Aldo Fortes, aquilo acontece em diferentes cotidianos, variadas rotinas e dia após dia: Meu inimigo / Debruçado sobre o balcão / Na cama em cima do armário / No chão / por toda parte / Agachado / Olhos fixos em mim / Meu irmão...

Este é o refrão de Hotel Fraternité. Forte e direto para quem quer entender. Fraco e confuso para os que preferem ficar à margem de alguma reflexão.

Acontece num ambiente de trabalho, numa reunião sindical, no salão amplo de um restaurante, na assembléia condominial, no balcão de um bar, no ônibus, no banco, na sacada do prédio e na vida, enfim.

Ninguém fica imune aos seus efeitos, como observador ou observado. É infelizmente uma craca impregnada na alma do ser humano, encapando em algumas circunstâncias os sentimentos de solidariedade e compreensão, para que estes não aflorem.

Assim dotados os inimigos espreitam sempre. Tornam-se irmãos para se adequarem às conveniências. Dão tapinhas nas costas alheias, mas com a intenção de socarem rostos.

Hanz Magnus Enzensberger ainda é mais puro que a realidade. O poeta se inspira numa espécie de desprovidos, aqueles que tem motivos de sobra para ficarem na espreita.

Aquele que não tem com o que comprar uma ilha / Aquele que espera a rainha de sabá na frente de um cinema / Aquele que rasga de raiva e desespero sua última camisa / Aquele que esconde um dobrão de ouro no sapato furado / Aquele que olha nos olhos duros do chantagista / Aquele que range os dentes nos carrocéis / Aquele que derrama vinho rubro na cama sórdida / Aquele que toca fogo em cartas e fotografias / Aquele que vive sentado nas docas debaixo das gaivotas / Aquele que alimenta os esquilos / Aquele que não tem um centavo / Aquele que observa / Aquele que dá socos na parede / Aquele que grita / Aquele que bebe / Aquele que não faz nada...

Aqueles, do poema, são mais vítimas que agressores, mesmo que em alguns repentes sejam tomados pela fúria. Por isso, sintam-se à vontade para apontar os dedos em ristes na tela do monitor de TV quando os que não são aqueles falarem em nome de todos, no horário eleitoral gratuito.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Crônica - E agora José?

Abertura

José era o riquinho do bairro. Enquanto a maioria dos coleguinhas ia a escola a pé, José era levado pelo pai, de automóvel. Sim, automóvel. Não era uma condução qualquer, tipo fusca ou chevetinho. Automóvel quatro portas de um metálico brilhante e assanhado. Na época quatro portas era sinônimo de requinte. Em carro de pobre quatro portas era táxi descartado da frota e colocado à venda a preço baixo. A classe média preferia um estilo mais esportivo e comprava duas portas. Diziam os negociadores que o esportivo era mais fácil de passar para frente.

Então José desembarcava bem frente do portão da escola. Saia pela porta de trás e ninguém via a cara do motorista, que tinha a imagem protegida pelo fumê dos vidros. Seria o motorista o próprio pai de José? Ou seria o motorista um chofer contratado para transportar José, seus irmãos, seu pai e sua mãe? Era um mistério que suscitava comentários de outros pais de josés que iam à escola de carona em fuscas, opalas, chevetes e corcéis quadrados de parachoques niquelados.

Havia sim um requinte em torno daquele aluno. Os professores tinham mais cuidado com ele. A direção tratava-o com uma consideração incomum. E os coleguinhas, oras, estes só se mantinham perto do menino porque dependiam da cola que ele passava nas provas. José era muito inteligente e também ajudava os outros nos trabalhos que tinham que ser entregues em papel almaço, parágrafos de três dedos, cabeçalho com nome da escola, data e nome do aluno.

No ginásio, José sofria nas aulas de educação física. Para não ter o que fazer, os professores formavam times de futebol de salão e os melhores escalavam os seus jogadores. José ficava sempre por último.

Ninguém queria ele e, fatalmente, sobrava uma vaga no gol da equipe mais fraca. Na hora do jogo era uma tortura: bola que vinha da esquerda com velocidade assustadora batia no fundo da rede e fazia o time marcador comemorar. Os perdedores olhavam para José com cara de reprovação. Bola que vinha da direita tinha o mesmo destino: gol. Bola que vinha da frente passava pelo meio das pernas do menino. A reprovação virava gozação.

A estas alturas José já estava esperto. Usava a inteligência para ganhar prestígio. No colegial virou presidente do grêmio estudantil. Financiava lanches para os colegas. Convidava os mais chegados para fazer trabalhos em sua casa, quando os serviçais preparavam sucos, sanduíches e bolachinhas que não se comia e bebia em qualquer lugar. Mais do que fazer os exercícios escolares, os coleguinhas saiam de lá empanturrados.

Então é que José virou uma espécie de líder. O resto da história só na próxima postagem, pois o autor está se revirando na cadeira para decidir se, a partir daqui, mostra um José vitorioso ou derrotado.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Crônica - Alguns metros adiante

Queria sol e claridade sempre, mesmo nas noites mais escuras de lua minguante. A chuva, nos momentos certos, seria apenas um refresco. Em quantidade suficiente para acomodar a poeira no solo, ela escorreria pelos telhados e levaria embora as sujeiras acumuladas nos cantos dos quintais, onde houvesse uma caída e se formasse uma leve corredeira.

Lavaria-se também a alma, atormentada por calores emitidos por diferentes fontes. Às vezes de questionamentos corriqueiros, inquietações freqüentes, comportamentos nem sempre tolerantes. Outras por explosões a que os corações estão sujeitos no decorrer de um dia que segue de eventos não agendados. Uma surpresa boa ou ruim, por exemplo. Uma ótima notícia. Ou o contrário.

Em certo instante a chuva cairia reta, sem balançar com o vento. Uma leve rajada serviria para uma gota bater de frente no vidro da janela. A água escorreria preguiçosa até esgotar-se, deixando um rastro parecido com um caminho desenhado na transparência.

Algo que fizesse lembrar um homem idoso indo adiante, sob o sol e sujeito ao calor. Da testa enrugada por sucos marcantes cortados na horizontal, desce o suor que ganha a beirada do nariz, depois de umedecer o canto dos olhos, feito lágrimas. Alguns dos rastros vão ao chão e se perdem no cimento seco da calçada. Secam assim que se estatelam no chão, tamanha é a quentura de um dia.

Outras invadem os lábios e ganham a boca, descendo salgadas e inconvenientes. Às vezes andar é um execício. Outras vezes uma necessidade. Há quando se torne um tormento e queira-se nunca chegar para onde se deve ir. Às vezes a pressa de estar lá é grande e os passos não rendem. O objetivo, em vez de ficar mais perto, vai se distanciando.

O dia, porém, é claro tanto quanto a cor da camisa de algodão rota nas mangas. Mesmo sob nuvens. A noite virá, o homem idoso sabe. Ele, que já enfrentou tantas escuridões, está preparado para as que ainda virão e tem certeza que escalará a subida de metros adiante, empapando o lenço que enxuga o suor e indo passo a passo, lento na velocidade, rápido na pretensão de se locomover, sábio e imune aos desejos daqueles que desprezam o conhecimento dos que, pela vida, vão e vem.

O resto é silêncio. Exceto o barulho incômodo de um aparelho de rádio, cujo som vaza de uma casa onde os ocupantes, quando muito ouvem, mas não escutam. Naquele momento um candidato a alguma coisa promete algo e pede voto. Outro o sucede e faz o mesmo. E assim uma fileira, com os mesmo dizeres, as mesmas promessas e o mesmo pedido: voto.

E o homem idoso passa, sem dar ouvidos. Os anos acumulados nas costas arcadas ensinaram ele a perceber quem mente e quem diz a verdade. Por isso ele sempre busca, incansável, o sol e a luz, mesmo nas noites de lua minguante.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Crônica - Os sapatos verdes

Parecia esportivo na vitrina. Camurçado, dava impressão de leveza e conforto. Sem cadarços, lembrava agilidade ao calçar. E por que não, liberdade. Amarras, afinal de contas, é sinônimo de prisão.

O solado, de plataforma de borracha, deu idéia de maciez. Era pisar e flutuar. E o preço? Muito abaixo dos demais modelos expostos na vitrina sob os efeitos do fluorescente que ilumina a loja e dos raios de sol que em alguns períodos do dia invadiam o lugar.

Bastaram dez minutos de espera para a atendente aparecer e se colocar à disposição. O homem pediu para experimentar. Ajeitou-se numa banqueta, descalçou os tênis e ajeitou as meias, de forma que os furados ficassem nas solas dos pés e ninguém reparasse no estado precário em que se encontravam.

Foram mais dez minutos de espera até a moça retornar com a caixa contendo um pé. O outro teria que ser retirado da vitrina, pois era o último para do modelo e da numeração adequada. Quando os dois pés foram colocados juntos, nem se reparou à luz ambiente alguma diferença na tonalidade.

Na prova, satisfação total. Os sapatos de camurça caíram como luvas. Se amoldaram nos pés do homem sem folga e sem aperto. Nem pegou nas pontas, onde as unhas encravadas costumavam incomodar. Na articulação obedeceu suprema, sem rangido e muito menos pegar aqui ou ali. Tampouco saiu do calcanhar, pois acompanhou os momentos dos pés como fiel protetor.

O negócio foi fechado. No embrulho o homem até dispensou a caixa, que já tinha um rasgo na tampa e um amassado numa das laterais. Os sapatos foram para a casa do comprador em saco plástico do estabelecimento. Assim não fez tanto volume na mochila e evitou desconforto no ônibus.

A estréia foi marcada para sábado. O plano incluía um par de meias seminovo, lavado somente duas vezes após a compra, a calça jeans que ainda mantinha um azul mais forte, a camiseta branca e nada mais.

Fez sol no sábado, que sorte. Os sapatos ganharam a porta da sala e depois o portão. Na calçada, à primeira batida do sol, denunciaram diferenças. Um pé, aquele mantido na caixa, era verde musgo. O outro que ficou na vitrina pareceu uma mescla entre o amarelado encardido, o marrom e um verde cansado em alguns pontos.

Quarteirões adiante, bem na boca do estacionamento do supermercado, um engraxate cobrou dez reais para passar uma tinta marrom nos calçados. E o novo ficou reformado.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Crônica - Briga de balcão

- Desliga ai, ô. Quem é que quer ouvir esses caras falando bobagem?
- Posso abaixar um pouco. Desligar não desligo. Tem gente que gosta disso que está passando.
- Quem? Tem algum mané aqui que gosta disso?
- Pára com isso. Eu tenho freguês antigo almoçando.
- Viu só? Ninguém me respondeu. Quer que eu pergunte de novo?
- Não faça isso. Vai assustar a minha freguesia...
- Tem alguém que almoça assistindo programa eleitoral gratuito? Ei gente, eu só estou fazendo uma pergunta...
- Não incomode as pessoas, amigo. Fica muito mal para mim.
- Ei, ei, ei... Está me estranhando? Eu também sou freguês aqui há bom tempo e quero comer sem ter que escutar bobagem desses políticos. Tenho ou não tenho esse direito, pessoal?
- Você está é assustando a minha freguesia. Ninguém responde a sua pergunta. Estão achando que você bebeu...
- Eu bêbado? Ai partiu pra ofensa. Dá tirando uma? Eu só quero comer com apetite esta comida que estou pagando. Esses candidatos me tiram o apetite.
- Você tem razão, meu amigo. Mas não precisa assustador o resto da minha clientela. Olha ai, está todo mundo quieto. Ninguém olha pra você quando faz as perguntas. Não está certo...
- Eu estou errado? Olha ai este que está na TV falando que fez isso e aquilo. Quando? Onde? Para quem? E quem ser governador.
- Tem razão. Não te tiro a razão. Só peço que poupe os meus clientes.
- Tu acredita em democracia? Heim?
- Por isso mesmo, amigo. Por ser democracia deixo a TV ligada até na hora da propaganda eleitoral gratuita... Tem gente que gosta de assistir.
- E quem não gosta? Como é que fica? Já usou da democracia para deixar esse negócio ligado ou desligado? Já perguntou pra sua freguesia quem gosta e quem não gosta?
- Tem razão, Nunca perguntei. Mas não acha que mesmo os que não gostam devem assistir o programa para conhecer os candidatos?
- Eita... Tá complicado e esquentando. Então eu é que saio daqui. Fica ai com o troco e com o resto da comida, porque assim, com essa TV ligada em bobagem eu não consigo comer.
E assim a política feita por maus políticos provocou mais um racha, depois de consolidar coligações absurdas e repetir promessas inconsistentes. Tudo numa hora de almoço.

domingo, 15 de agosto de 2010

Crônica - Deixa o menino brincar de PT, tadinho...

A mulher chega com os cabelos amassados. Na verdade, o que se vê na cabeça dela é um acerto, algo de improviso para disfarçar que a soneca de depois do almoço desarranjou o penteado armado. O rapaz chega metido num moletom cheirando a sofá e se espreguiça. O senhor da terceira idade cochila na cadeira de encosto duro.

É bem assim o período que antecede uma assembléia de condomínio agendado para um sábado à tarde. Às quinze e trinta em primeira convocação, com pelo menos dois terços de presença. Às dezesseis horas em segunda e última convocação, com qualquer número de participantes.

Jogam-se conversas fora. E é ai que aparecem as personalidades de cada um dos presentes, Aquele ali concorda com tudo. Se disserem que é bom, ele confirma que é bom. Se disserem que é ruim, ele afirma que é ruim. O outro, daquele canto, é especialista em fazer perguntas idiotas do tipo: se chover molha a telha?

E aquela? A conversa dela varia de reunião para outra. Na última, atacou de cidadã preocupada com a segurança. Com este mote ela contou umas cinco histórias de assaltos e arrombamentos, com o sim ou não daqueles que consentem com tudo e com as perguntas idiotas do fulano: então na loja e levou alguma coisa?

É quando chega o doutor. Pelo que se sabe, ela passou a semana articulando. Vejam que este é um palavrão típico de político e seus assessores. Articulou com o síndico, com o vice-síndico, com os conselheiros deliberativos e fiscais e com aquele que consente com tudo. Conversou rapidamente com o que faz perguntas idiotas.

Ele se considera o especialista em fazer as atas. Trás a cabeça e o final prontos. Deixa o recheio para preencher. Normalmente tenta passar no que escreve as propostas que são favoráveis aos seus interesses. Pelo que se percebe, estudou a cartilha do PT de cabo a rabo, pois é um tipo que depende da vitória de determinados candidatos para se dar bem nos empregos.

Fala alto e em tom impositivo. A maioria se cala e consente. E quando suas proposições são derrubadas, ele manipula na ata. A maioria faz de conta que não percebe. E todos saem da sala de reuniões imaginando que participaram da democracia. Ele sai muito satisfeito. Enganou, lubridiou, impôs e se considera vitorioso. Brincou de político mais uma vez.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Crônica - E que almoço aquele, hem?

Soube-se em dois minutos que os três trabalhavam com vendas. Em quatro que o chefe era protegido do padrão. Em cinco que a comissão de um deles no último mês foi de dois mil e novecentos reais. Em seis que a matriz havia errado no pagamento daquela comissão. Em sete que o vendedor prejudicado havia telefonado para a moça da matriz. Em oito que a moça da matriz havia respondido que o valor reclamado não era de direito. Em nove que a mesma moça, da matriz, havia dito que o chefe da filial estava pagando um valor indevido aos seus subordinados. E assim foi.

Os autores destas confidenciais são dois homens e uma mulher. Eles tomam conta do restaurante. Falam alto e, se descuidar, espalham perdigotos para as mesas ao redor. Condenam colegas que não participam da mesa. Reclamam de chefes e das condições de trabalho. Estão até que bem vestidos e parecem seres urbanos com certo grau de cultura e consciência de coletividade. Isso nas aparências.

No comportamento, porém, demonstram ser togloditas. Às vezes o tom de voz imita um grito, de tão alto. Quando o telefone celular de um deles toca, o atendimento é aos berros. Todos os freqüentadores do restaurante ficam sabendo do que se trata. Um documento precisa ser assinado e um pacote tem que ser encaminhado para postagem. Mas isso se faz depois do almoço.

Que almoço? Os três trocaram a sala de queixas de uma empresa por um restaurante. Dividiram seus problemas com todos que ali estavam para comer e usufruir de um horário de almoço para esquecer da mesa empilhada de papéis, dos relatórios encalhados nos arquivos dos computadores, das correspondências a serem enviadas.

E o horário de almoço perdeu o estatus de ser um momento mágico, um tempo de dar um tempo, um intervalo para não falar nada, uma oportunidade de conversar sobre coisas diferentes daquelas que são monologadas nos ambientes de trabalho. Os três conseguiram tirar o apetite de uns trinta. E se deram por satisfeitos.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Conto - Bocejos...

Era uma sala de espera sem muita coisa para ver à frente e nos lados. As cadeiras de plástico, algumas com encostos quebrados, estavam dispostos como numa sala de aula.

O chão de piso frio apresentava manchas. Na parede da frente, atrás da fileira de guichês, somente um mostrador eletrônico com o número da senha de atendimento e da sala para onde a pessoa devia se dirigir.

No lado esquerdo um painel com aviso de horário de funcionamento, documentos necessários e outras informações gerais. E o trivial, necessário, recomendado e obrigatório: um extintor de incêndio.

À direita, somente o branco manchado, quase encardido, que terminava numa porta que dava para um corredor. Sabia-se que ali eram feitos os atendimentos, mas marinheiros de primeira viagem desconheciam se a frieza lá dentro era igual cá fora.

Algumas pessoas aguardavam havia horas. Ouviu-se daquela senhora na primeira fila, entre o homem de chapéu de palha e a criança de blusa vermelha, que ela desembarcou no ponto de ônibus próximo lá pelas seis e vinte da manhã. E já passava de onze e quarenta.

O rapaz de jaqueta de couvim e capacete de motociclista no colo, segundo consta foi o primeiro da fila da senha e ainda ocupava a última cadeira da terceira fila. Imóvel, olhar distante, como se o destino houvesse determinado que ali era o seu lugar e ali deveria permanecer quieto.

A moça da quinta fila de cadeiras, à esquerda, exercitava-se com a boca. Quando não mascava o chiclete, atendia o celular. Às vezes falava alto, como se quisesse que todos ouvissem. Em outros momentos quase balbuciava, preocupando-se com as pessoas ao redor toda vez que se pronunciava.

Um vigia uniformizado ia e vinha, de um lado a outro, de trás para frente, do outro lado ao outro, da frente para trás. O seu papel, pelo que se percebeu, era o de manter a ordem do local. Receio, talvez, que alguém se rebelasse pela demora.

Preocupação desnecessária. Os quarenta ou cinquenta pacientes que esperavam a vez já sabiam ser dependentes de um sistema público. E não era nem por conformismo que as pessoas esperavam quietas. Na verdade, era por conveniência.

Ninguém estava disposto a reclamar com pessoas que escutavam, mas não ouviam. Ou ouviam, mas não escutavam. Quando viam, não enxergavam. E quando enxergavam não viam. Frios, quando não agrediam com respostas deselegantes às pessoas que exigiam explicações, limitavam-se a murmurar que a demora não era por culpa deles. E ninguém sabia quem era o culpado.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Crônica - Pergunta sem graça, mas proveitosa

O fecho da calça foi o primeiro sinal. Apesar de dois meses de uso freqüente e o mesmo tempo de lavagem do vestuário, a casa do botão metálico, em vez de lacear, parecia ter encolhido. Elaine passou a ter dificuldades para encaixar uma parte na outra. Era um puxa daqui e outro puxa dali, esticando o cós de tecido duro e grosso.

Tentativas seguidas feitas e até que o fato se consumava. Nos dias mais quentes, o suor chegava a descer da testa. O espelho denunciava no esgarçado do pano algo mais que o encolhimento da casa do botão. Ficava um repuxo visível, mas Elaine, se percebia, fazia de conta que não via.

A não aceitação fazia valer qualquer desculpa. Ora era a qualidade da calça. Ora era a mudança da marca do sabão em pó. Um dia Elaine recriminou a empregada doméstica por passar a peça com o ferro na posição a vapor, o que endurecia o tecido e tornava o vestuário desconfortável.

Mas outros sinais apareciam dia após dia. Calça fechada, cós repuxado e sobravam por cima dele pelancas que antes só eram percebidas quando Elaine se sentava. Agora, de pé e bem esticada, as gordurinhas davam um formato preocupante. O espelho avisava, mas Elaine assumia o que um amigo certa vez havia comentado. Para ele, as gordurinhas que ficavam por cima do cós eram interessantes.

Chegou, por fim, a vez da blusinha de malha sintética. Antes ela se ajustava no corpo com uma folguinha estética. Descia bem e deixava à mostra o umbigo. Ontem Elaine retirou a peça do armário e, quando a vestiu, percebeu de fato as diferenças em seu corpo. A blusa ficou mais curta. A folguinha estética desapareceu. Além do umbigo o comprimento da blusa expôs as gordurinhas e formou, na frente do espelho, uma figura muito diferente daquela que Elaine gostaria de ver.

Entre quebrar o impiedoso vidro da verdade, Elaine decidiu esperar por mais um sinal, que não demorou para se manifestar. Hoje cedo Elaine encontrou duas pessoas conhecidas em momentos e situações distintas. A primeira, depois do abraço de cumprimento, perguntou se Elaine estava grávida.

Minutos depois, quando Elaine ainda se assombrava com a pergunta da amiga, outra pessoa chega e faz a mesma pergunta. Só então Elaine se deu conta que estava na hora de trocar o número das roupas para maior.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Sugestão - Sobre o emprego e o desemprego

Leia em http://foradomercado.blogspot.com o primeiro e o segundo contos da série "O vento pesa". O segundo conto você confere neste blog, logo abaixo. Participe. Apresente a sua sugestão de um enredo. Poste comentário ou envie e-mail para foradomercado@gmail.com ou walterrogama@gmail.com

Agradeço muito

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Conto - O vento pesa (2)

A marquise de um prédio comercial próximo foi a salvação. Alternativa proibida nos dias de sol, mesmo com os termômetros batendo nos vinte e oito graus fora da sombra, o abrigo de concreto da loja era permitido sob a chuva.

Maria da Conceição só não entendia se o consentimento era para proteger as trabalhadoras ou para evitar danos às ferramentas de trabalho que elas empunhavam, as bandeiras com nome e número do candidato, sigla partidária e coligações. É que, não se sabe se por descuido ou por franqueza, minutos antes um supervisor passara de carro por todas as esquinas com um aviso: se a chuva engrossar protejam-se onde for possível para não molhar as bandeiras.

Não devia, mas aquilo tornou Maria da Conceição pensativa: “Não fosse a bandeira eu poderia continuar na chuva...” Ainda que entregue ao silêncio, por haver decidido que a partir daquele emprego seria submissa, sem idéias e nem sugestões, sem manifestar descontentamentos e limitando-se aos consentimentos, Maria da Conceição exercitou-se para reduzir a velocidade das batidas do coração. Para isso mexeu na memória e lembrou que, nos empregos anteriores, por muitas vezes enfrentou chuvas. E jamais havia feito dessas ocasiões uma tempestade.

Faltava pouco para o meio-dia. Maria da Conceição aproveitou o intervalo e antecipou o almoço, que naquele dia se limitou a um pão com manteiga e uma banana. Nem água, nem um gole de café para acompanhar. Nas esquinas, agitando as bandeiras, as trabalhadoras tinham que manter as alças das bolsas nos ombros, pois não havia onde deixar os pertences enquanto elas permaneciam no horário de serviço. O local do trabalho, afinal, eram as esquinas.

Além de lavar, passar e limpar com maestria, Maria da Conceição era uma excelente cozinheira. Quando doméstica, por muitas vezes recebeu elogios pelas refeições preparadas com maestria. Foi no momento em que essa lembrança se fez presente, justo quando mordia o pão já amolecido, que algumas gotas de lágrimas desceram pelas faces da mulher.

domingo, 1 de agosto de 2010

Colher - Para o domingo, a voz da irlandesa Enya e o seu show de talento

Baixo do Youtube a canção interpretada por Enya, Paint the sky with star, montado em vídeo para lembrar a menininha Madeleine.

Repentinamente, diante de meus olhos
Matizes de índigo surgem.
Com eles que meu espírito suspira.
Pinte o céu com estrelas.

Apenas a noite saberá
Porque os céus nunca revelam.
Todos os sonhos que existem para se conhecer.
Pinte o céu com estrelas.

Quem percorreu o céu da meia-noite ?
Para isso um espírito tem que voar
Pois os céus parecem tão distantes.
Agora quem vai pintar a estrela da meia-noite ?

A noite trouxe para aqueles que dormem,
Apenas sonhos que não conseguem manter.
Eu tenho inscrições no interior.
Pinte o céu com estrelas

Quem percorreu o céu da meia-noite ?
Para isso um espírito tem que voar
Pois os céus parecem tão distantes.
Agora quem vai pintar a estrela da meia-noite ?

Dê um nome para a noite
Um para deixar seu coração em chamas,
E para fazer a escuridão clarear
Pinte o céu com estrelas

Na postagem abaixo, mais Enya.

com

Música - Nenhum dia, nenhuma noite, nenhum momento...



Livro Dos Dias, interpretado por Enya, em vídeo baixado do Youtube.

Um dia, uma noite, um momento,
meus sonhos poderiam ser amanhã.
Uma passo, uma queda, um vacilo.
Leste ou oeste, pela Terra ou pelo oceano.
Um meio para seguir minha jornada.
Este caminho poderia ser o meu Livro dos Dias.
De dia a dia, minha jornada,
uma longa estrada diante de mim
De noite a noite,
minha jornada as histórias que ficarão
perdidas para sempre.
Nenhum dia, nenhuma noite, nenhum momento,
me impedirá de tentar.
Eu voarei, eu cairei, eu hesitarei
Eu acharei meu dia talvez,
longe e distante. longe e distante.
Um dia, uma noite, um momento,
com um sonho para acreditar.
Um passo, uma queda, um vacilo.
Encontro um mundo novo atrás de um vasto oceano,
Este caminho se tornou minha jornada.
Esse dia ficará sempre, longe e distante.
Esse dia ficará sempre longe e distante,
longe e distante.