quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Crônica - E agora José?

Abertura

José era o riquinho do bairro. Enquanto a maioria dos coleguinhas ia a escola a pé, José era levado pelo pai, de automóvel. Sim, automóvel. Não era uma condução qualquer, tipo fusca ou chevetinho. Automóvel quatro portas de um metálico brilhante e assanhado. Na época quatro portas era sinônimo de requinte. Em carro de pobre quatro portas era táxi descartado da frota e colocado à venda a preço baixo. A classe média preferia um estilo mais esportivo e comprava duas portas. Diziam os negociadores que o esportivo era mais fácil de passar para frente.

Então José desembarcava bem frente do portão da escola. Saia pela porta de trás e ninguém via a cara do motorista, que tinha a imagem protegida pelo fumê dos vidros. Seria o motorista o próprio pai de José? Ou seria o motorista um chofer contratado para transportar José, seus irmãos, seu pai e sua mãe? Era um mistério que suscitava comentários de outros pais de josés que iam à escola de carona em fuscas, opalas, chevetes e corcéis quadrados de parachoques niquelados.

Havia sim um requinte em torno daquele aluno. Os professores tinham mais cuidado com ele. A direção tratava-o com uma consideração incomum. E os coleguinhas, oras, estes só se mantinham perto do menino porque dependiam da cola que ele passava nas provas. José era muito inteligente e também ajudava os outros nos trabalhos que tinham que ser entregues em papel almaço, parágrafos de três dedos, cabeçalho com nome da escola, data e nome do aluno.

No ginásio, José sofria nas aulas de educação física. Para não ter o que fazer, os professores formavam times de futebol de salão e os melhores escalavam os seus jogadores. José ficava sempre por último.

Ninguém queria ele e, fatalmente, sobrava uma vaga no gol da equipe mais fraca. Na hora do jogo era uma tortura: bola que vinha da esquerda com velocidade assustadora batia no fundo da rede e fazia o time marcador comemorar. Os perdedores olhavam para José com cara de reprovação. Bola que vinha da direita tinha o mesmo destino: gol. Bola que vinha da frente passava pelo meio das pernas do menino. A reprovação virava gozação.

A estas alturas José já estava esperto. Usava a inteligência para ganhar prestígio. No colegial virou presidente do grêmio estudantil. Financiava lanches para os colegas. Convidava os mais chegados para fazer trabalhos em sua casa, quando os serviçais preparavam sucos, sanduíches e bolachinhas que não se comia e bebia em qualquer lugar. Mais do que fazer os exercícios escolares, os coleguinhas saiam de lá empanturrados.

Então é que José virou uma espécie de líder. O resto da história só na próxima postagem, pois o autor está se revirando na cadeira para decidir se, a partir daqui, mostra um José vitorioso ou derrotado.

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