domingo, 29 de agosto de 2010

Crônica - Rasteiras...

Como no poema de Hans Magnus Enzensberger musicado por Arnaldo Antunes e Aldo Fortes, aquilo acontece em diferentes cotidianos, variadas rotinas e dia após dia: Meu inimigo / Debruçado sobre o balcão / Na cama em cima do armário / No chão / por toda parte / Agachado / Olhos fixos em mim / Meu irmão...

Este é o refrão de Hotel Fraternité. Forte e direto para quem quer entender. Fraco e confuso para os que preferem ficar à margem de alguma reflexão.

Acontece num ambiente de trabalho, numa reunião sindical, no salão amplo de um restaurante, na assembléia condominial, no balcão de um bar, no ônibus, no banco, na sacada do prédio e na vida, enfim.

Ninguém fica imune aos seus efeitos, como observador ou observado. É infelizmente uma craca impregnada na alma do ser humano, encapando em algumas circunstâncias os sentimentos de solidariedade e compreensão, para que estes não aflorem.

Assim dotados os inimigos espreitam sempre. Tornam-se irmãos para se adequarem às conveniências. Dão tapinhas nas costas alheias, mas com a intenção de socarem rostos.

Hanz Magnus Enzensberger ainda é mais puro que a realidade. O poeta se inspira numa espécie de desprovidos, aqueles que tem motivos de sobra para ficarem na espreita.

Aquele que não tem com o que comprar uma ilha / Aquele que espera a rainha de sabá na frente de um cinema / Aquele que rasga de raiva e desespero sua última camisa / Aquele que esconde um dobrão de ouro no sapato furado / Aquele que olha nos olhos duros do chantagista / Aquele que range os dentes nos carrocéis / Aquele que derrama vinho rubro na cama sórdida / Aquele que toca fogo em cartas e fotografias / Aquele que vive sentado nas docas debaixo das gaivotas / Aquele que alimenta os esquilos / Aquele que não tem um centavo / Aquele que observa / Aquele que dá socos na parede / Aquele que grita / Aquele que bebe / Aquele que não faz nada...

Aqueles, do poema, são mais vítimas que agressores, mesmo que em alguns repentes sejam tomados pela fúria. Por isso, sintam-se à vontade para apontar os dedos em ristes na tela do monitor de TV quando os que não são aqueles falarem em nome de todos, no horário eleitoral gratuito.

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