quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Crônica - Alguns metros adiante

Queria sol e claridade sempre, mesmo nas noites mais escuras de lua minguante. A chuva, nos momentos certos, seria apenas um refresco. Em quantidade suficiente para acomodar a poeira no solo, ela escorreria pelos telhados e levaria embora as sujeiras acumuladas nos cantos dos quintais, onde houvesse uma caída e se formasse uma leve corredeira.

Lavaria-se também a alma, atormentada por calores emitidos por diferentes fontes. Às vezes de questionamentos corriqueiros, inquietações freqüentes, comportamentos nem sempre tolerantes. Outras por explosões a que os corações estão sujeitos no decorrer de um dia que segue de eventos não agendados. Uma surpresa boa ou ruim, por exemplo. Uma ótima notícia. Ou o contrário.

Em certo instante a chuva cairia reta, sem balançar com o vento. Uma leve rajada serviria para uma gota bater de frente no vidro da janela. A água escorreria preguiçosa até esgotar-se, deixando um rastro parecido com um caminho desenhado na transparência.

Algo que fizesse lembrar um homem idoso indo adiante, sob o sol e sujeito ao calor. Da testa enrugada por sucos marcantes cortados na horizontal, desce o suor que ganha a beirada do nariz, depois de umedecer o canto dos olhos, feito lágrimas. Alguns dos rastros vão ao chão e se perdem no cimento seco da calçada. Secam assim que se estatelam no chão, tamanha é a quentura de um dia.

Outras invadem os lábios e ganham a boca, descendo salgadas e inconvenientes. Às vezes andar é um execício. Outras vezes uma necessidade. Há quando se torne um tormento e queira-se nunca chegar para onde se deve ir. Às vezes a pressa de estar lá é grande e os passos não rendem. O objetivo, em vez de ficar mais perto, vai se distanciando.

O dia, porém, é claro tanto quanto a cor da camisa de algodão rota nas mangas. Mesmo sob nuvens. A noite virá, o homem idoso sabe. Ele, que já enfrentou tantas escuridões, está preparado para as que ainda virão e tem certeza que escalará a subida de metros adiante, empapando o lenço que enxuga o suor e indo passo a passo, lento na velocidade, rápido na pretensão de se locomover, sábio e imune aos desejos daqueles que desprezam o conhecimento dos que, pela vida, vão e vem.

O resto é silêncio. Exceto o barulho incômodo de um aparelho de rádio, cujo som vaza de uma casa onde os ocupantes, quando muito ouvem, mas não escutam. Naquele momento um candidato a alguma coisa promete algo e pede voto. Outro o sucede e faz o mesmo. E assim uma fileira, com os mesmo dizeres, as mesmas promessas e o mesmo pedido: voto.

E o homem idoso passa, sem dar ouvidos. Os anos acumulados nas costas arcadas ensinaram ele a perceber quem mente e quem diz a verdade. Por isso ele sempre busca, incansável, o sol e a luz, mesmo nas noites de lua minguante.

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