sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Crônica - E que almoço aquele, hem?

Soube-se em dois minutos que os três trabalhavam com vendas. Em quatro que o chefe era protegido do padrão. Em cinco que a comissão de um deles no último mês foi de dois mil e novecentos reais. Em seis que a matriz havia errado no pagamento daquela comissão. Em sete que o vendedor prejudicado havia telefonado para a moça da matriz. Em oito que a moça da matriz havia respondido que o valor reclamado não era de direito. Em nove que a mesma moça, da matriz, havia dito que o chefe da filial estava pagando um valor indevido aos seus subordinados. E assim foi.

Os autores destas confidenciais são dois homens e uma mulher. Eles tomam conta do restaurante. Falam alto e, se descuidar, espalham perdigotos para as mesas ao redor. Condenam colegas que não participam da mesa. Reclamam de chefes e das condições de trabalho. Estão até que bem vestidos e parecem seres urbanos com certo grau de cultura e consciência de coletividade. Isso nas aparências.

No comportamento, porém, demonstram ser togloditas. Às vezes o tom de voz imita um grito, de tão alto. Quando o telefone celular de um deles toca, o atendimento é aos berros. Todos os freqüentadores do restaurante ficam sabendo do que se trata. Um documento precisa ser assinado e um pacote tem que ser encaminhado para postagem. Mas isso se faz depois do almoço.

Que almoço? Os três trocaram a sala de queixas de uma empresa por um restaurante. Dividiram seus problemas com todos que ali estavam para comer e usufruir de um horário de almoço para esquecer da mesa empilhada de papéis, dos relatórios encalhados nos arquivos dos computadores, das correspondências a serem enviadas.

E o horário de almoço perdeu o estatus de ser um momento mágico, um tempo de dar um tempo, um intervalo para não falar nada, uma oportunidade de conversar sobre coisas diferentes daquelas que são monologadas nos ambientes de trabalho. Os três conseguiram tirar o apetite de uns trinta. E se deram por satisfeitos.

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