segunda-feira, 30 de novembro de 2020

UM DIA DE CÃO

 Foi isso mesmo. Sem por nem tirar. E considerando as possíveis variáveis com direito a erros na interpretação de quem lê ou escuta o título deste texto: Um dia de cão.

Tudo começou após o fracasso nas negociações dos humanos para fazer um cachorro da vizinhança parar de latir, de noite, na madrugada e também de dia, em intervalos curtos e com barulho irritante. Instalado num apartamento do quinto andar de um prédio fincado em região alta de um bairro de classe média, o latido ecoa longe, quatro, cinco ou seis quadras abaixo. Imagine os ouvidos de quem mora mais perto?

O síndico do prédio foi acionado pelos vizinhos. Mas assumiu a sua incompetência,  atrás de justificativas hiláricas. Até comentaram alguns que a dona do barulhento era novinha e morava sozinha. Maldade...

Outra sugestão foi a de acionar os vereadores eleitos com fotos de cachorros nas camisetas e promessa de defender os coitadinhos. Mas os contrários argumentaram que vereador é político e, de regra, usa a promessa durante a campanha eleitoral e depois aproveita material que sobrar para limpar a bunda. Sim, com o perdão da vulgaridade, foi bem assim que disseram e ninguém discordou.

"Então vamos fazer um abaixo-assinado, coletar um montão de dinheiro para custas judiciais e o advogado. Vai ficar caro, mas quem sabe..."

Foi quando um vizinho, dado como esperto na comunidade, sugeriu, na gozação: "Se é coisa de cachorro vamos deixar os próprios latirem sobre isso".

E não é que, mesmo na ironia, a proposta  pegou? Virou primeiro conversa de balcão lá na mercearia de uma porta, escondida no meio de uma rua de cinquenta metros, onde mulher não entra e homem, quando sai, tropeça nos próprios pés. Decidiram, ali, organizar uma sessão de julgamento do latidor barulhento.

Como juiz escolheram o cachorro do Anésio, um pastor alemão que o dono dizia ser puro de raça, mas de capa preta o animal tinha nada. O promotor nomeado foi o Basset de boca branca, focinho negro e orelhas marrons do Gilberto. O advogado de defesa foi o border collie do Freitas, sob a alegação de que o bichinho levava jeito.

E o bichon frisé do Andrade, coitado, foi nomeado para ficar na portaria durante a sessão de julgamento, com a missão de cheirar todas as traseiras dos cachorros que adentrassem no local.

O julgamento foi agendado para uma sexta à noite, depois de uma rodada de cerveja, na esquina da rua do prédio onde o cão barulhento vivia. Na noite e na hora marcados todos chegaram. O cão porteiro cheirou as traseiras para identificar os presentes. O juiz deu um latido. O promotor deu outro. O advogado de defesa rosnou forte, ameaçador.

Passaram dois carros com vereadores eleitos com motes de defesa dos animais para espiar o que acontecia. Os donos dos cães envolvidos ficaram do outro lado da rua. Até que o cão juiz deu um latido forte, cheirou o martelinho de bater na mesa e encerrou a sessão.

Pela explicação do Anésio, dono do pastor alemão juiz, o cachorrinho barulhento foi inocentado. A condenação em primeiro grau foi sentenciada para a madame, dona dele. O síndico também foi condenado.

A madame terá que contratar um adestrador, daqueles que cobram por minuto, para colocar seu cão na linha. O síndico pegou seis meses de serviço condominial e vai ter que cuidar nesse período do cão da madame quando ela sair para o trabalho ou para as noitadas com os amigos.

E o cachorrinho continua no quinto andar do prédio. Latindo de dia, de noite e de madrugada.

Agora falando sério: os cães cheiram a traseira de outros cachorros para o reconhecerem. Eles também cheiram, com o mesmo objetivo, as partes íntimas dos humanos, pois é onde estão as glândulas sudoríparas, que também existem nas axilas.

Pela Lei 3.688/41, em seu Artigo 42, IV (Lei das Contravenções Penais), ao provocar ou não procurar impedir barulho produzido por animal de quem tem guarda a pessoa comete o crime de perturbação do sossego alheio e a pena vai de 15 dias a três meses ou multa. O excesso de barulho ou ruído é proibido em qualquer horário.

O que sobrou da sessão de julgamento, no local onde o evento foi realizado...


Garrafas vazias de etílicos, com certeza restos encontrados
no local onde os donos dos cães aguardaram o julgamento
Foi tanta aflição durante a espera que um dono de cão participante do julgamento 
não aguentou e se borrou todo
Este foi assistir e não aguentou. Dormiu, roncou e babou...




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