É um caminho que desce, de vez em quando, mas faz subir por longa caminhada. Aqui eu andei muito, o par de conga azul tirando o mindinho do pé esquerdo para fora. Culpa do pano envelhecido do calçado, tão velho que fez um furo e virou rombo. Faz tanto tempo...
Era a idade da vida nascendo com o sol, de manhãzinha, ou da chuva batendo na madeira do janelão feito de tábuas. O compromisso da manhã: ajuntar a sujeirada feita no quintal ontem. Tarefa de meia hora, com tempo de sobra para correr no dever de casa e evitar castigo da professora à tarde. Dava ainda para aprontar travessuras antes do almoço e da escola.
Chegar meia hora mais cedo, antes do portão ser aberto, era regra. Um trato entre os colegas, para suas brincadeiras e correrias nas proximidades. E nada de receber elogios dos comerciantes próximos. Já as ameaças de contar aos pais e conversar com a direção da escola sobre as travessuras ficavam, na maioria das vezes, só na conversa.
Mesmo nas brincadeiras sem correrias as vitórias eram comemoradas com gritos e as derrotas com xingamentos. Como o jogo de bafo, as apostas valendo figurinhas de coleções e a habilidade com as bolinhas de gude. Depois das aulas outro rito: seguir em turma, longe das meninas, aprontando. Um tapa nas costas de um colega só para invocar e provocar revide, um puxão no guarda pó do outro, um empurrão, um puxão no cabelo, uma aposta de última hora para ver quem chegava primeiro na próxima árvore da calçada.
E chegavam as ruas residencias com casas de.madeira, a.maioria sem varandas na frente e algumas com escadas de tábuas na porta. Os terrenos desocupados, em grande quantidade, eram campinhos de futebol. Mas as brincadeiras prosseguiam mesmo nas ruas que não tinham asfalto e nem movimento de carro. Às vezes um carroceiro nem incomodava, pois morava na vizinhança. E se corria muito no pega pega, no pé na lata, na mãe da rua, no esconde esconde e nas peladinhas com uma bola de borracha.
Havia o horário do banho, ainda cedo, porque as mães enfureciam se atrasasse o horário do jantar. Os programas noturnos de rádio não tinham como ser ouvidos durante a lavagem da louça. Os adultos se sentavam na mesa ao redor do aparelho barulhento de onde a voz do homem dava as horas, tocava as músicas de sucesso e anunciava alguns acontecimentos do dia. Também lia cartas da comadre fulana mandando abraços para a comadre sicrana e o esposo e os filhos. "Aqui nois está todo bem, viu comadre", lia o homem do rádio. "Só o véio por uns par de dia tossiu que nem boi adoidado. Mas nem precisou de chá. Mordeu uns alhos e curou".
E lá fora, os moleques aprontando nos quintais. Já com roupa de dormir, chutando a bola na parede, gritando, rindo, arrancando galhos das árvores só para fazer sujeira e, pior, atrapalhando os ouvintes da caixinha de madeira que trazia pedaços do mundo para dentro de casa, na voz de um locutor que parecia estar na sala, falando e olhando para cada um dos presentes.
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