segunda-feira, 26 de outubro de 2020

JÁ DIZIA O POETA...

 



As lixeira lotadas me negam Bom Dia! Inertes, exceto no leve tremular de algo ao vento, encerram conversas que nunca foram iniciadas. Se ao menos me pedissem aliviá-las do esgotamento, quem sabe eu até o faria. Não sei para onde levaria o lixo. Num canto da praça pública onde qualquer obstáculo escondesse imperfeições naturais ou descartes? Bem ali, onde qualquer pessoa que passa durante as caminhadas matinais evita. Por causa da sujeira, do desenho da grama destruída, da casca de banana jogada, dos copos plásticos amontoados.

O avô caminha em companhia da neta. Na certa, acha engraçado alguém falando sozinho diante das lixeiras lotadas. Pudera eu explicar que converso com as coisas socadas nas lixeiras. Porque estas, as lixeiras, eu já tentei diálogo que me foi negado. E o lixo, bem sei que ele ainda têm vida, mas nenhum interesse de falar com quem não lhe convém.

Nenhuma chance desse maluco ser reciclador, diz o saco de biscoito à garrafa de água mineral, usando um jargăo da gíria dos policiais de plantăo: maluco. Tipo, "pára aí maluco, qué morre..." Palavras, vidas, sobressaltos.

As lixeiras lotadas não incomodam os passantes. São moradores do bairro onde a praça oferece pista de caminhada, bancos sinuosos de concreto sob árvores acolhedoras, alguns aparelhos de exercícios físicos e lixo, muito lixo transbordando das lixeiras. 

Obra, talvez, do cotidiano, que faz as pessoas acostumarem com as coisas que permanecem ali, no lugar de sempre, todas os dias da semana, de manhã e à tarde, com sol ou chuva, frio ou calor. O poder público também passa por aquele lugar. Sim, passa...

E a vida corre sob arquiteturas variadas. O novo imitando o velho numa certa edificação e o velho tentando ser novo em outra, ambas lado a lado.

A cidade é moderna, dizia o cego ao seus filhos... Assim cantava o poeta em música dele, Milton Nascimento, junto com o parceiro Ronaldo Bastos, de 1975. “...os olhos cheios de terra / o bonde fora dos trilhos / a aventura começa no coração dos navios / pensava o filho calado / pensava o filho ouvindo / que a cidade é moderna / pensava o filho sorrindo / e era surdo e era mudo / mas que falava e ouvia”.


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