domingo, 16 de outubro de 2016

Família - Cedo Mari teve que deixar o lar para trabalhar



Emprego em casa de parente longe do bairro onde a família morava permitia a ela voltar para casa só nos finais de semana

Walter Ogama

                Tempo de expectativas. A gente ficava pensando nos fins de semana com chuva e se perguntava: “Como é que Mari vai chegar até aqui?”
                É que o aqui contido na pergunta era a rua sem asfalto. Se vinha a precipitação de um jeito mais forte e demorado em pouco tempo os sucos deixados pelos pneus dos carros no meio daquela via ficavam cobertos pela lama.
                As enxurradas desciam pelas laterais. A vila que não tinha asfalto naquela região também não dava aos seus moradores o conforto da água encanada e da rede coletora de esgoto. Toda a água, suja, remediada ou limpa, descia junto com a enxurrada.
                Mari trabalhava na casa de uma tia, no centro de Londrina. Nós morávamos na Rua Juruá, casinha de madeira envelhecida de número 181, na Vila Nova, em Londrina. Mari trabalhava muito e só voltava para casa nos finais de semana.
                Eu já havia convencionado que entre o meio e o fim da tarde ela chegaria. Mas quando chovia a apreensão tomava conta. Mari, filha mais velha de Luiza e Dairoku Ogama e irmã de Nana, Neca e Riu, havia trabalhado perto de casa, inclusive numa fábrica de doces da rua abaixo, a Javari.
                Era a primeira vez que alguém da família ficava tanto tempo fora. Além da saudade, a gente queria ouvir as novidades que ela trazia. Não tínhamos televisão em casa e Mari podia assistir novelas e programas de variedades no emprego. Em casa, nos fins de semana, havia sempre um momento em que esperávamos que ela contasse para nós episódios daquilo que assistia.
                Também não tínhamos geladeira e nem fogão a gás em casa. A primeira geladeira que mamãe conseguiu colocar na nossa cozinha foi uma usada, que ganhou justamente da irmã que havia empregado Mari. Chamávamos ela de Tia Iokie. O primeiro aparelho de televisão que mamãe teve para assistir as novelas também foi presente dela.
                Eu lembro que esperava Mari descer a Rua Juruá, vindo da Araguaia, sempre trazendo sacolas de roupas que levava para o serviço. Em dias de sol e poeira a espera por Mari era na escada da frente da nossa casa. Uma escada de madeira, com cinco degraus, que mamãe e minhas irmãs lavavam nos sábados e a madeira ficava branquinha.
                Nos dias de chuva e lama eu lembro de esperar Mari na Janela da frente da casa. Era uma janela de taramelas com fortes dobradiças num lado e, no outro, a taramela cujo buraco do prego estava tão dilatado que rodava e abria com o bater do vento.
                A casa era alugada e não tinha varanda. Igual à casa do vizinho tintureiro do lado direito. Diferente da casa da vizinha Maria do lado esquerdo, que tinha varanda na frente e nos fundos. A gente não sabia se era inveja, mas dava vontade de morar numa casa igual da dona Maria. As tábuas, ali, eram de cor claras, por serem ainda novas. Nossas tábuas pareciam enferrujadas, de tão velhas.
                Mari, batizada Mary Mitsuko Ogama, estudou na escola japonesa localizada na confluência das ruas Tietê com Javari e depois fez o curso primário no Grupo Escolar Nilo Peçanha. No nosso tempo todos tinham que fazer exame de admissão para entrar no curso ginasial.
                Mari, antes de trabalhar com a tia, não perdia as quermesses da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, na Vila Nova, hoje com estatus de Santuário e visitado por pessoas de toda a região no dia 12 de outubro, data consagrada à Padroeira do Brasil.
                Era o tempo das músicas de Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Martinha, Wanderléia, Renato e Seus Blue Caps, Golden Boys, Elvis Plesley e outros saudosos artistas da canção. Às vezes recebíamos na nossa modesta casa, que depois nós mesmos batizamos de casinha do morro porque ficava no alto, sobre toras cortadas a escorar a construção, algumas amigas da Mari. Com o tempo elas viravam amigas das três irmãs, da mamãe e até do papai. Eu ainda era um mascote.
Mari e minhas outras duas irmãs crescemos numa casa precária. Naquele tempo não havia banheiro dentro ou encostado nas casas antigas. A nossa privada ficava no fundo do quintal e não tinha onde tomar banho. Fazíamos isso num reservado dentro de casa, onde o chão era de cimento alisado com vermelhão.
A porta da cozinha tinha frestas enormes e tábuas apodrecidas na parte debaixo. E a gente sentia medo dos ratos, das cobras cegas e até de pessoas que tinham como colocar os braços até metade pelas frestas.
Na falta de geladeira mamãe comprava no Natal e no dia de Ano uma dúzia de guaranazinho. Dava um para cada membro da família no almoço e repeteco na janta. Para esfriar um pouco o refrigerante mamãe colocava as garrafinhas numa bacia com água do poço.
Já o fogão a lenha, feito de cimento, ajudava muito no frio e depois das chuvas para secar os sapatos, que ficavam encostados na lateral do apoio onde eram colocadas as lenhas.
Antes de trabalhar fora Mari também ajudou em casa na catação de café. As máquinas compravam o produto e beneficiavam. Antes de ir à torra ensacavam os grãos que eram levados por carroceiros aos bairros. Famílias que aceitavam o serviço de catar café estragado recebiam por saca limpada e tinham um extra para as despesas.
Mari nasceu no dia 29 de julho de 1952. Casou com Batista Bidoia, nascido também em julho, no dia 21 do ano de 1951. Eles tiveram quatro filhos: Roberson Alexandre Bidoia, que nasceu em 21 de agosto de 1979; Rosemary Bidoia, nascida em 6 de setembro de 1978; Roberto Bidoia, nascido em 30 de maio de 1988, e Reinaldo Rodrigo Bidoia, que nasceu em 11 de março de 1993.
Roberson e Rosemary estão no Japão. Ela tem um filho, o Lucas Martins, que nasceu no dia 24 de setembro de 2000. Roberson ê casado com Márcia Tae Terashima, nascida em 10 de dezembro de 1978. Eles são país de Alexia Akemi, que nasceu em 11 de abril de 1999; Ellen Sayuri, nascida em 16 de dezembro de 2002; Aeros Hiro, nascido em 2 de agosto de 2009, e Karina, que nasceu em 12 de novembro de 2012.
Roberto e Reinaldo estão no Brasil com Mari. Ambos trabalharam com pai até o falecimento dele, em 1º de julho de 2000. Depois, entre os empregos a que se dedicam, o de maior tempo é em pequena indústria instalada onde funcionou a tapeçaria do pai.
Roberto está namorando Jeisi  Câmara. Reinaldo está firme e feliz com Fernanda   Souza Gouveia, que é mãe de Ana Gabriela.

Roberson e Rosemary estão há 12 anos no Japão. "A Rose está na fábrica há 11 anos e no ano passado foi homenageada pelos 10 anos na empresa", conta Mari. "O Roberson tirou carteira para dirigir caminhão, depois pediram para tirar carteira para dirigir carreta e deu tudo certo. Ele trabalha transportando peças de uma fábrica para outra e conseguiu comprar sua casa financiada, que é melhor que aluguel", acrescenta a mãe coruja.



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