Emprego em casa de parente longe do bairro onde a família
morava permitia a ela voltar para casa só nos finais de semana
Walter Ogama
Tempo
de expectativas. A gente ficava pensando nos fins de semana com chuva e se
perguntava: “Como é que Mari vai chegar até aqui?”
É que o
aqui contido na pergunta era a rua sem asfalto. Se vinha a precipitação de um
jeito mais forte e demorado em pouco tempo os sucos deixados pelos pneus dos
carros no meio daquela via ficavam cobertos pela lama.
As
enxurradas desciam pelas laterais. A vila que não tinha asfalto naquela região
também não dava aos seus moradores o conforto da água encanada e da rede coletora
de esgoto. Toda a água, suja, remediada ou limpa, descia junto com a enxurrada.
Mari trabalhava
na casa de uma tia, no centro de Londrina. Nós morávamos na Rua Juruá, casinha
de madeira envelhecida de número 181, na Vila Nova, em Londrina. Mari trabalhava
muito e só voltava para casa nos finais de semana.
Eu já
havia convencionado que entre o meio e o fim da tarde ela chegaria. Mas quando
chovia a apreensão tomava conta. Mari, filha mais velha de Luiza e Dairoku
Ogama e irmã de Nana, Neca e Riu, havia trabalhado perto de casa, inclusive
numa fábrica de doces da rua abaixo, a Javari.
Era a
primeira vez que alguém da família ficava tanto tempo fora. Além da saudade, a
gente queria ouvir as novidades que ela trazia. Não tínhamos televisão em casa
e Mari podia assistir novelas e programas de variedades no emprego. Em casa,
nos fins de semana, havia sempre um momento em que esperávamos que ela contasse
para nós episódios daquilo que assistia.
Também
não tínhamos geladeira e nem fogão a gás em casa. A primeira geladeira que
mamãe conseguiu colocar na nossa cozinha foi uma usada, que ganhou justamente
da irmã que havia empregado Mari. Chamávamos ela de Tia Iokie. O primeiro
aparelho de televisão que mamãe teve para assistir as novelas também foi presente
dela.
Eu
lembro que esperava Mari descer a Rua Juruá, vindo da Araguaia, sempre trazendo
sacolas de roupas que levava para o serviço. Em dias de sol e poeira a espera
por Mari era na escada da frente da nossa casa. Uma escada de madeira, com
cinco degraus, que mamãe e minhas irmãs lavavam nos sábados e a madeira ficava
branquinha.
Nos
dias de chuva e lama eu lembro de esperar Mari na Janela da frente da casa. Era
uma janela de taramelas com fortes dobradiças num lado e, no outro, a taramela
cujo buraco do prego estava tão dilatado que rodava e abria com o bater do
vento.
A casa
era alugada e não tinha varanda. Igual à casa do vizinho tintureiro do lado
direito. Diferente da casa da vizinha Maria do lado esquerdo, que tinha varanda
na frente e nos fundos. A gente não sabia se era inveja, mas dava vontade de
morar numa casa igual da dona Maria. As tábuas, ali, eram de cor claras, por
serem ainda novas. Nossas tábuas pareciam enferrujadas, de tão velhas.
Mari,
batizada Mary Mitsuko Ogama, estudou na escola japonesa localizada na
confluência das ruas Tietê com Javari e depois fez o curso primário no Grupo
Escolar Nilo Peçanha. No nosso tempo todos tinham que fazer exame de admissão
para entrar no curso ginasial.
Mari,
antes de trabalhar com a tia, não perdia as quermesses da Paróquia Nossa
Senhora Aparecida, na Vila Nova, hoje com estatus de Santuário e visitado por
pessoas de toda a região no dia 12 de outubro, data consagrada à Padroeira do
Brasil.
Era o
tempo das músicas de Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Martinha, Wanderléia,
Renato e Seus Blue Caps, Golden Boys, Elvis Plesley e outros saudosos artistas
da canção. Às vezes recebíamos na nossa modesta casa, que depois nós mesmos
batizamos de casinha do morro porque ficava no alto, sobre toras cortadas a escorar
a construção, algumas amigas da Mari. Com o tempo elas viravam amigas das três
irmãs, da mamãe e até do papai. Eu ainda era um mascote.
Mari e minhas outras duas irmãs
crescemos numa casa precária. Naquele tempo não havia banheiro dentro ou
encostado nas casas antigas. A nossa privada ficava no fundo do quintal e não
tinha onde tomar banho. Fazíamos isso num reservado dentro de casa, onde o chão
era de cimento alisado com vermelhão.
A porta da cozinha tinha frestas
enormes e tábuas apodrecidas na parte debaixo. E a gente sentia medo dos ratos,
das cobras cegas e até de pessoas que tinham como colocar os braços até metade
pelas frestas.
Na falta de geladeira mamãe
comprava no Natal e no dia de Ano uma dúzia de guaranazinho. Dava um para cada
membro da família no almoço e repeteco na janta. Para esfriar um pouco o
refrigerante mamãe colocava as garrafinhas numa bacia com água do poço.
Já o fogão a lenha, feito de
cimento, ajudava muito no frio e depois das chuvas para secar os sapatos, que
ficavam encostados na lateral do apoio onde eram colocadas as lenhas.
Antes de trabalhar fora Mari
também ajudou em casa na catação de café. As máquinas compravam o produto e
beneficiavam. Antes de ir à torra ensacavam os grãos que eram levados por
carroceiros aos bairros. Famílias que aceitavam o serviço de catar café
estragado recebiam por saca limpada e tinham um extra para as despesas.
Mari nasceu no dia 29 de julho de
1952. Casou com Batista Bidoia, nascido também em julho, no dia 21 do ano de
1951. Eles tiveram quatro filhos: Roberson Alexandre Bidoia, que nasceu em 21
de agosto de 1979; Rosemary Bidoia, nascida em 6 de setembro de 1978; Roberto
Bidoia, nascido em 30 de maio de 1988, e Reinaldo Rodrigo Bidoia, que nasceu em
11 de março de 1993.
Roberson e Rosemary estão no
Japão. Ela tem um filho, o Lucas Martins, que nasceu no dia 24 de setembro de
2000. Roberson ê casado com Márcia Tae Terashima, nascida em 10 de dezembro de
1978. Eles são país de Alexia Akemi, que nasceu em 11 de abril de 1999; Ellen
Sayuri, nascida em 16 de dezembro de 2002; Aeros Hiro, nascido em 2 de agosto
de 2009, e Karina, que nasceu em 12 de novembro de 2012.
Roberto e Reinaldo estão no
Brasil com Mari. Ambos trabalharam com pai até o falecimento dele, em 1º de
julho de 2000. Depois, entre os empregos a que se dedicam, o de maior tempo é
em pequena indústria instalada onde funcionou a tapeçaria do pai.
Roberto está namorando Jeisi Câmara. Reinaldo está firme e feliz com
Fernanda Souza Gouveia, que é mãe de
Ana Gabriela.
Roberson e Rosemary estão há 12
anos no Japão. "A Rose está na fábrica há 11 anos e no ano passado foi
homenageada pelos 10 anos na empresa", conta Mari. "O Roberson tirou
carteira para dirigir caminhão, depois pediram para tirar carteira para dirigir
carreta e deu tudo certo. Ele trabalha transportando peças de uma fábrica para
outra e conseguiu comprar sua casa financiada, que é melhor que aluguel",
acrescenta a mãe coruja.
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