Rua Juruá, Vila Nova, Londrina: o ponto de saída
Rua Araguaia, já na era do asfalto
Antes mercearia, o comércio ficava no meio do percurso
Walter Ogama
Tantos
retornos couberam nesse rumo. Sempre de dia, mas na rotação relâmpago do mundo,
inexplicavelmente trazendo a quietude opaca da noite de repente. Da luz para o
escuro, de um instante a outro.
Sonho. É para o Norte, onde o sol
passa ao meio-dia, que se vai. Outra vez, num carro que não sai do lugar, nas
passadas encolhidas do medo de ir, no pedal emperrado da bicicleta, ou na velha
moto descendo enguiçada e sem ronco a rua que leva à linha de trem.
Sim, é sonho. Recorrente,
teimoso, cansativo, quase pesadelo. Para que lado o inconsciente quer me levar? Sei, por
enquanto, que é a um lugar onde nunca ousei voltar. Talvez por isso o breu
da noite, quando a luminosidade matutina ou vespertina animava.
Nunca o sono desequilibrado me
fez andar o caminho de ida, aquele, da infância inocente. A mãe puxando pela
mão e as irmãs atrás, de vestidos simples e calçados velhos, porém conservados,
enquanto o pai, mais adiante, arrumava a camisa para dentro das calças.
Subíamos, em cinco, a pequena
distância da Rua Juruá, na Vila Nova, em Londrina, saindo do número cento e
oitenta e um. A primeira esquina a transpor era a da Turiaçu. Ela chegava
rápido, menos de meio quarteirão.
A via sem asfalto, com as duas
marcas das rodas levando para frente em paralelas, daquele ponto mostrava a
Araguaia, calçada com paralelepípedos, por ser a mais importante do lugar.
A referência para sair dela,
poucos passos adiante, era a mercearia, na esquina da Cabo Verde, conhecida como “dois irmãos”. Não era o nome do estabelecimento, mas o apelido familiar mais aceito pelos fregueses.
A subida seguinte era cansativa.
Três ou quatro quarteirões acima para chegar a linha do trem. Transpô-la era a
brincadeira das crianças e a ousadia dos adultos, principalmente nos dias de
chuva.
Antes a faixa de mata rasteira,
com alguns pés de mamona carregados de munição para os estilingues, além do
capim alto sujando as pernas. Depois de vencido os trilhos o elevado barranco
de terra, com degraus feitos de enxada, para facilitar quem ia ou vinha.
Na poeira o desacerto era nos
sapatos, cheios de pó. Na lama o problema era o barro, quando não vinha o pior:
uma queda na subida ou na descida bem ali na escada do barranco e a roupa
manchada pela terra vermelha.
Hoje, num único ponto antes de
onde se ergue o prédio do consórcio intermunicipal de saúde - antes Samdu e
depois pronto-socorro do então Inamps -, onde mamãe me levou no colo certa vez
para costurar corte profundo na coxa com lata velha, construíram uma escada de
cimento que leva da avenida que tomou o lugar da linha até uma rua sem saída e
sem nome.
Mas naquele tempo, após a
travessia dos trilhos e do barranco, andava-se vinte passos miúdos até o
asfalto, lá em cima. A pavimentação já cobria a Travessa Goiânia, com apenas um
quarteirão longo, via que terminava, para quem ia ao centro, na subida curta da
Rua Amapá, até a esquina com a Belo Horizonte.
Ali já se via os prédios. Para as
crianças aquilo já era a cidade, apesar de ainda faltar um trecho curto até
chegar ao ponto onde uma pracinha, ladeada pela própria Belo Horizonte na
frente, mostrava no outro lado os paralelepípedos da Rua Quintino Bocaiúva e se
fechava com a Rua Mossoró fazendo um triângulo.
Pertinho ficava a quitanda de
vovó e do vovô, bem na Belo Horizonte, entre a Fernando de Noronha e a Benjamin
Constant. Com uma porta, já de fora mostrava a quem passava a maçã argentina, o
abacaxi, a banana, as uvas, as verduras e as folhas. Havia uma espécie de
galeria que permitia ao pedestre atravessar para a Quintino Bocaiúva, de onde
se ia para a antiga Avenida Paraná, após atravessar a Benjamin Constant e a Rua
Sergipe.
Estávamos, então, no centro de
Londrina. Todos os anos, nos desfiles de Sete de Setembro e de Carnaval. Já nos
finados seguíamos mais adiante, a pé, mamãe, papai, eu e minhas três irmãs,
Mary, Daisy e Denise, até o Cemitério São Pedro, onde num túmulo coletivo jazia
nossa irmãzinha mais nova e num túmulo com capela os parentes já falecidos
descansavam.
Na volta, ganhávamos pipoca. Ou,
nas idas ao centro durante os dias da semana para as compras de fim de ano, éramos
agraciados pelos pais com pasteis de carne também no caminho de volta.
Mas é a partir da Belo Horizonte
que o meu sonho, insistente, termina quando chego na mata após a travessia da linha
férrea. E evita que eu volte para a Rua
Juruá, onde a velha casa de madeira me abrigou até o fim da adolescência.
Seria por causa das janelas e
portas de taramelas que abriam ao bater do vento? Ou as frestas enormes entre
as tábuas, no assoalho?
Quem sabe a inocência que me permitiu,
na pobreza, uma vida de brincadeiras no barro, na poeira e nos quintais com
manga, limão, cana-de-açúcar, abacate e maracujá-doce estejam pesando no meu
ócio.
Porque agora, anos passados num
mundo competitivo já ao cruzar da porta para sair de casa, eu tenho certo medo
de ir ou voltar de qualquer lugar para outro.
Leste-Oeste antes linha do trem
Escada sem destino
A pracinha no triângulo da Belo Horizonte, Quintino
Bocaiúva e Mossoró
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