(atualização de conto
já publicado na série Maracujá Doce)
Walter Ogama
Havia um pé de limão rosa no
fundo do quintal, à direita de uma pequena área gramada e pouco antes da cerca
improvisada com madeiras que restaram da construção da casa.
Imperfeitas, as tábuas formavam
uma fila de pouca estética. Alguns vãos entre elas davam apenas para as mãos.
Outras mantinham espaços suficientes para enfiar o braço e alcançar a horta do
quintal vizinho, onde as cebolinhas verdes assanhavam perto do horário das
refeições.
Um
abacateiro enorme dava sombra bem onde uma viga fincada no chão de terra mole
fazia o ponto de partida para os seis arames do varal. Às vezes, após as
chuvas, uma estaca feita de um galho de árvore servia de escora.
Envergada pelo peso, ela
suportava a viga inclinada para o lado onde os arames, abarrotados de roupas molhadas,
sofriam pressão. Calças de brim, camisas de algodão, cobertas, lençóis, meias e
peças íntimas masculinas e femininas, de cores sóbrias ou vivas, pareciam
bandeirolas disformes.
A cana-de-açúcar, de gomos
avermelhados e folhas verdes bem fortes, desenhava um redondo pouco abaixo do
pé de manga rosa. A touceira ocupava perto de um metro quadrado do terreno e
perto dali um pedaço de tronco de árvore, serrado ao meio, era usado como
batedor de roupa.
Com um metro e meio de
comprimento e cinquenta centímetros de largura, tinha uma ponta apoiada no chão
e a outra, sustentada por duas estacas, a uma altura de cerca de oitenta
centímetros do chão. No pé, tijolos e telhas amassados faziam um piso, para
evitar que as sandálias de tiras pisassem no barro.
Mais à esquerda, um galho grosso
do pé de manga descia uma corda. Na ponta, a tábua extraída de um caixote era o
assento. Por um buraco grotescamente furado a corda atravessava a madeira. O nó
duplo era uma tentativa de manter a peça, responsável pelo conforto de quem se
divertia, balançando.
O jardim misturava espécies e
perfumes. Tomava parte da frente do quintal e em alguns pontos disfarçava a
irregularidade da cerca. Plantas mais altas e de folhagem mais densa tinham
muitas finalidades.
À noite, ou sustentavam
personagens durante o esconde-esconde, ou ocultavam pregadores de peças que
assustavam as meninas que passavam pelo portão após a missa na capela da rua de
cima.
O cachorro preto e branco ficava
solto. Por mais que pudesse ganhar a rua e as casas da vizinhança através dos
vãos entre as tábuas da cerca, o animal limitava-se à área protegida. Por
algumas vezes Bilú correu muito para escapar dos laços dos homens da
"carrocinha".
Entre os meninos, a lenda era de
que cachorro pego virava sabão. Havia muita choradeira entre os pequenos quando
um bicho de estimação era levado pela carrocinha.
Nem as galinhas caipiras,
ciscando à vontade perto do valo aberto pela corredeira da água do batedor de
roupa, incomodavam o cão. Essas aves teriam no final do ano um destino
traiçoeiro: a panela ou o forno. Por isso, até a engorda, tinham privilégio no
canto do quintal onde eram jogados os restos de comida para alimentar a
criação.
No caminho que levava ao poço,
onde a água era puxada várias vezes por dia num balde, o maracujá doce pouco se
importava com as outras plantas. Vigoroso, subia por um balaústre, invadia o
tronco do abacateiro, estendia suas ramas até a viga que suportava os varais e
aproveitava um dos arames para atravessar o terreno até os fundos.
Seus frutos eram saborosos. Os
adultos usavam colheres de sobremesa para prová-los, mas os meninos preferiam
as mãos para rachar a casca dura, beber o caldo pelas frestas e depois enfiar
os dedos para apanhar as sementes cobertas pelas polpas adocicadas.
Foi ali, naquele pequeno terreno
onde a casa de madeira velha e sem pintura escondia móveis precários e crianças
desdentadas, onde nasceu o menino. Cabelos espevitados, olhos esbugalhados,
bochechas da cara sujas e avermelhadas, nariz escorrendo, e pés no chão, ele
corria o mundo usando como limite os quatro cantos do quintal de um bairro de
Londrina, no Norte do Paraná.
A vida de sonhos e fantasias
tinha um tempo certo: acordar, tomar café torrado e moído na hora com leite in
natura, correr, andar de costas, assobiar, subir em árvores, construir
castelos, destruir a base do inimigo, pilotar uma moto feita com cabo de
vassoura, enfiar o pé na lama, limpar a perna suja de poeira, correr de novo,
andar de costas outra vez, descer da árvore, arrebentar o arame do varal,
esconder, aparecer, enxugar o suor do rosto com o lençol posto para secar,
levar bronca, xingar, fazer desaforos, retrucar com birras, tomar banho,
jantar, zombar com os irmãos, dormir e acordar.
Tudo era fácil, apesar da agenda
tão lotada.
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