Eu bem me lembro! Passava a série
O Fugitivo e a gente pegava os cacos das cenas por entre as balaústres de
madeira da cerca da casa de Ivone, colega do Grupo Escolar Nilo Peçanha.
A família dela era uma das poucas
a ter carro naqueles imediações da Vila Nova, em Londrina. A casa ficava na Rua
Javari, em frente ao campo do União, entre as ruas Solimões e Turiaçu.
Mais adiante a Rua Araguaia,
calçada com paralelepípedos, abrigava além do Nilo Peçanha o Albergue Noturno,
mais de uma oficina de torno e solda, bazares diversos, padarias, bares e lá
embaixo, perto da Rua Guaporé, o clube japonês, a sede da Escola de Samba
Unidos Independente e quase colado, um clube que animava as noitadas dos
sábados e nos carnavais não deixava folião ficar parado.
Paralela à Araguaia já existia a
Rua Tietê, que naquele tempo era uma espécie de estradão de terra conhecido
como bananal. Era, na verdade, um gancho para os pais amedrontarem seus filhos.
Os adultos diziam que o bananal era perigosos, pois o homem do saco costumava
passar por ali para pegar crianças.
O Campo do União era cercado
pelas ruas Javari, onde morava a colega Ivone, a Juruá, onde eu morava numa
casa de madeira sem pintura e envelhecida, a de número 181, além da Solimões e
da Turiaçu. Rodadas dos campeonatos amadores eram realizadas nas tardes dos
sábados e nas manhãs e nas tardes dos domingos.
À noite somente as lâmpadas
avermelhadas dos postes de madeira davam relativa claridade. Ainda assim os
meninos brincavam, senão de bola por causa do escuro, com atividades mais
propícias para o momento: pega-pega, mãe da rua, pique, esconde-esconde e, lá
no outro lado, numa área onde a grama ainda resistia, as meninas aqueciam-se do
frio ou refrescava-se do anoitecer modorrento por causa do calor com as
brincadeiras de roda.
“Pau rolou, pau caiu, lá na mata
ninguém viu...” Às vezes passava das onze e ainda se ouvia uma ou outra
cantiga. “Passa passa cavaleiro, pela porta do carneiro, a última a de
ficar...”
Era tudo terra naquele cantão da
Vila Nova. Mamona para usar no estilingue dava no quintal. Mamãe ouvia um
programa de rádio chamado “Aconteceu”. Eu tinha um cachorro chamado Lulu.
Mestição feio, sujo e amarrado com corda, porque as galinhas ficavam soltas
para se alimentarem de resto de comida e minhocas.
Um enorme pé de abacate ficava
colado à cerca que separava o nosso quintal com o de dona Maria Baiana. A mesma
cerca servia para o maracujá doce, que na época da florada trazia abelhas. Lá
no fundo um pé de limão rosa dava para a família e os vizinhos. Os três pés de manga
eram rosa, aquelas miúdas e esfiapadas. Uma touceira de cana atendia a todos
quase o ano inteiro.
Papai tinha uma bicicleta e
entregava doce nos bares. Mamãe não tinha fogão a gás. O dela era de cimento,
construído na cozinha. Ela também sentia a falta de uma geladeira. Nas vésperas
dos natais e dias de ano mamãe ia no mercado Ribeiro, lá na Rua Araguaia, e
comprava uma dúzia de guaraná Bem Bom. Eram garrafinhas de vidro. Metade seria
distribuída no almoço e metade na janta.
Na falta de geladeira as
garrafinhas eram refrescadas dentro de uma bacia de alumínio com água tirada do
poço. Eu e minhas irmãs furávamos as tampinhas para dar pressão na bebida, que
esguichava pelos buracos da tampa. Ás vezes papai comprava um garrafão grande
de vinho tinto. Para as crianças mamãe mistura com água e adoçava.
Assim era o cotidiano até que
veio a nossa primeira televisão, na casa da colega Ivone. A família dela era
solidária. Deixava a porta da sala aberta e aumentava o volume do aparelho. E
os meninos deixavam as brincadeiras e disputavam os vãos das balaústres de
madeira da cerca de casa de Ivone.
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