quarta-feira, 27 de julho de 2016

Crônica - A nossa primeira televisão

Eu bem me lembro! Passava a série O Fugitivo e a gente pegava os cacos das cenas por entre as balaústres de madeira da cerca da casa de Ivone, colega do Grupo Escolar Nilo Peçanha.
A família dela era uma das poucas a ter carro naqueles imediações da Vila Nova, em Londrina. A casa ficava na Rua Javari, em frente ao campo do União, entre as ruas Solimões e Turiaçu.
Mais adiante a Rua Araguaia, calçada com paralelepípedos, abrigava além do Nilo Peçanha o Albergue Noturno, mais de uma oficina de torno e solda, bazares diversos, padarias, bares e lá embaixo, perto da Rua Guaporé, o clube japonês, a sede da Escola de Samba Unidos Independente e quase colado, um clube que animava as noitadas dos sábados e nos carnavais não deixava folião ficar parado.
Paralela à Araguaia já existia a Rua Tietê, que naquele tempo era uma espécie de estradão de terra conhecido como bananal. Era, na verdade, um gancho para os pais amedrontarem seus filhos. Os adultos diziam que o bananal era perigosos, pois o homem do saco costumava passar por ali para pegar crianças.
O Campo do União era cercado pelas ruas Javari, onde morava a colega Ivone, a Juruá, onde eu morava numa casa de madeira sem pintura e envelhecida, a de número 181, além da Solimões e da Turiaçu. Rodadas dos campeonatos amadores eram realizadas nas tardes dos sábados e nas manhãs e nas tardes dos domingos.
À noite somente as lâmpadas avermelhadas dos postes de madeira davam relativa claridade. Ainda assim os meninos brincavam, senão de bola por causa do escuro, com atividades mais propícias para o momento: pega-pega, mãe da rua, pique, esconde-esconde e, lá no outro lado, numa área onde a grama ainda resistia, as meninas aqueciam-se do frio ou refrescava-se do anoitecer modorrento por causa do calor com as brincadeiras de roda.
“Pau rolou, pau caiu, lá na mata ninguém viu...” Às vezes passava das onze e ainda se ouvia uma ou outra cantiga. “Passa passa cavaleiro, pela porta do carneiro, a última a de ficar...”
Era tudo terra naquele cantão da Vila Nova. Mamona para usar no estilingue dava no quintal. Mamãe ouvia um programa de rádio chamado “Aconteceu”. Eu tinha um cachorro chamado Lulu. Mestição feio, sujo e amarrado com corda, porque as galinhas ficavam soltas para se alimentarem de resto de comida e minhocas.
Um enorme pé de abacate ficava colado à cerca que separava o nosso quintal com o de dona Maria Baiana. A mesma cerca servia para o maracujá doce, que na época da florada trazia abelhas. Lá no fundo um pé de limão rosa dava para a família e os vizinhos. Os três pés de manga eram rosa, aquelas miúdas e esfiapadas. Uma touceira de cana atendia a todos quase o ano inteiro.
Papai tinha uma bicicleta e entregava doce nos bares. Mamãe não tinha fogão a gás. O dela era de cimento, construído na cozinha. Ela também sentia a falta de uma geladeira. Nas vésperas dos natais e dias de ano mamãe ia no mercado Ribeiro, lá na Rua Araguaia, e comprava uma dúzia de guaraná Bem Bom. Eram garrafinhas de vidro. Metade seria distribuída no almoço e metade na janta.
Na falta de geladeira as garrafinhas eram refrescadas dentro de uma bacia de alumínio com água tirada do poço. Eu e minhas irmãs furávamos as tampinhas para dar pressão na bebida, que esguichava pelos buracos da tampa. Ás vezes papai comprava um garrafão grande de vinho tinto. Para as crianças mamãe mistura com água e adoçava.
Assim era o cotidiano até que veio a nossa primeira televisão, na casa da colega Ivone. A família dela era solidária. Deixava a porta da sala aberta e aumentava o volume do aparelho. E os meninos deixavam as brincadeiras e disputavam os vãos das balaústres de madeira da cerca de casa de Ivone.


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