terça-feira, 6 de outubro de 2015

CRÔNICA – E quem não gosta de levar vantagem em tudo?

Gerson, bom de bola e habilidoso no gramado, pagou por todos nós só por ter aceitado ser propagandista com um tema polêmico num raro momento de reflexão da sociedade brasileira





            Como se fora a terra de ninguém e de todos, sem leis, sem valores éticos e morais e, sem alicerces culturais. Nos municípios, nos Estados e no País a situação parece igual: os grandes “trabalham” para levar grandes vantagens: os pequenos trabalham para ficar com as insignificantes vantagens.
            Os grandes “trabalham” tem aspas, sim senhor. Os pequenos trabalham nem aspas tem. O motivo todo mundo sabe. Mas se cabe um exemplo é para destacar que entre os grandes podem existir autoridades com aspas e autoridades sem aspas. Sejam empresário, políticos, agropecuaristas, patrões, empregados de cargos elevados e, por justiça, personalidades de fato.
            Uma caminhada a pé por algumas ruas de Londrina mostra o que é vantagem e o que é desvantagem. Na Avenida Maringá, a legislação aprovada pela Câmara de Vereadores durante a gestão de um ex-prefeito fez o recuo para o estacionamento de veículos nos estabelecimentos comerciais virar uma piada.
            Entrada de mercadorias nos mesmos estabelecimentos é um problema. Grandes fornecedores com empregados mal pagos e despreparados desrespeitam a lei na cara dura e descarregam frangos, carne, pacotes de arroz, colchões e outros produtores onde puderem.
            O piso tátil, também fruto da legislação em vigor para facilitar a vida das pessoas com deficiências visuais, não existe para quem enxerga tão bem a ponto de poder comprar e conduzir um carro. Alguns destes colocam seus veículos desaforadamente sobre o piso demarcado.
            Em outra vias de Londrina empresas revendedoras de carros seminovos estacionam suas mercadorias bem aonde o pedestre tem que passar para evitar um atropelamento. Há bares que instalam churrasqueiras nas calçadas. Areia e pedra em construções domésticas ou comerciais também impedem a passagem de pessoas pelos passeios.
            Na Rua João XXIII, que liga a Avenida Maringá a Avenida JK, na região central da cidade, a travessia entre uma escola e a parada de ônibus é demarcada com faixas brancas. Pouco adiante, onde se instalou uma churrascaria e no outro lado há uma igreja evangélica, a Prefeitura de Londrina mandou pintar faixa colorida para que os pedestres façam a travessia.
            O irônico: apesar da João XXIII ser rua de mão única e estacionamento permitido apenas à esquerda, nos horários de funcionamento da churrascaria ambos os lados da via são ocupados por carros estacionados. Inverdade: além da faixa de travessia colorida em frente à igreja, antes há o aviso de radar e a velocidade permitida é de 40 quilômetros por horas. Mas o radar não existe e a velocidades dos veículos é de disputa: “Vamos ver quem chega primeiro lá na JK”.
            No Calçadão Central de Londrina, em determinados horários há duas ou mais viaturas da Guarda Municipal fiscalizando não se sabe o que no local. Alguns passos adiante, na Rua Quintino Bocaiúva, seja manhã ou tarde há desocupados deitados nos bancos de cimento da área pública. Só não passa a Guarda Municipal por lá.
            Os agentes de trânsito de Londrina, que logo após o surgimento da corporação contribuiram em parte com a disciplina no sistema viário da cidade, embora muitos londrinenses receiam a predominância da indústria da multa, estão escassos e desvalorizados na gestão do atual prefeito, que prefere armar os Guardas Municipais.
            Para que? Tomara que não seja para os mesmos passearem armados, com suas viaturas, no Calçadão Central de Londrina. E quanto aos Agentes de Trânsito, é bom dizer que da mesma forma que houve falhas, como acontece em todos os segmentos nesta terra de ninguém, também restaram contribuições.
            A cidade é grande e pequena para tantos donos e tamanha escassez de valores morais e éticos. Qual será a fila que vou conseguir furar hoje? Conheço o assessor do chefe daquela repartição estadual. Vou ver se consigo apressar o encaminhamento daquele nosso processo.
            O Estado é enorme em dinheiro desviado, como mostram as investigações de desvios na Receita Estadual. Mas se eu apoiar tal candidato a deputado estadual nas próximas eleições e ele for eleito tenho certeza que consigo um emprego num órgão público. Até um deputado federal conseguiu vaga de diretor para seu filho e um prefeito vizinho tem mulher com cargo comissionado em Londrina.
            O País também é gigante em casos de corrupção. Mensalão, Petrobras, BNDES e o que mais? São tantas autoridades querendo vantagens... mas meu filho passou no concurso do banco estatal e eu tenho um vizinho que é muito conhecido de um político do atual governo. Vou conversar com ele para apressar a convocação do meu guri e que seja para uma cidade bem perto.
            E só o Gerson, coitado, que entre as habilidades de jogador de futebol sabia sair em vantagem com a bola nos pés para as suas jogadas certeiras, foi condenado por protagonizar um anuncio comercial dizendo que “gostava de levar vantagem em tudo”. Menos, Seu Gerson. Você só levava vantagem em campo, durante um jogo. Porque foi se meter a propagandista num país que é terra sem leis e de todo mundo?

Livro lançado em 1994 já tratava da origem da corrupção no Brasil





            Professor de Filosofia da Universidade Estadual de Londrina e mestre em Pensamento Luso-Brasileiro pela Universidade Gama Filho, do Rio de Janeiro, Antonio Frederico Zancanaro, atualmente aposentado, lançou em 1994 o livro “A Corrupção Político-Administrativa no Brasil”. O tema foi objeto de pesquisa de Zancanaro para a monografia de mestrado, na Gama Filho.
            Passados mais de 20 anos, o filósofo londrinense, que também atuou em Umuarama, continua autor de um livro que serve para todos os momentos deste País chamado Brasil, especialmente o agora, tão semelhante à época da colonização portuguesa que contribuiu, segundo Zancanaro, decisivamente na formação moral e ética de nós, brasileiros.
            “Perdida a capacidade oficial do Estado de solucionar os crônicos problemas sociais e econômicos e convivendo com a permanente manipulação do Direito, a sociedade desenvolveu uma mentalidade de faz de conta em relação à lei”, diz o autor na conclusão da monografia.
            “Quem não ingressasse nos negócios escusos sentia-se socialmente inútil e impossibilitado de progredir. Passou-se, então, a viver segundo padrões individualistas, cada cidadão ocupado em amealhar o seu quinhão, enquanto esperava nas medidas oficiais a solução de seus problemas”, prossegue Zancanaro.
            Antes, porém, na mesma parte conclusiva, o autor diz: “A corrupção político-administrativa no Brasil possui um viés cultural, como parte do legado do descobridor português. Presente nas práticas políticas e administrativas antissociais, implementadas pelos dirigentes do Reino, foi incorporada às idéias, índole, valores, filosofia de vida e de trabalho da sociedade lusa. E, com o descobrimento, foi repassada à sociedade brasileira nascente pelos aventureiros, mercadores, exploradores e funcionários régios através de um processo informal”.
            O duro é que, igual chulé, isso permanece fortemente impregnado na nossa cultura. O professor diz que só um sério projeto político-educativo de formação para a cidadania vai acabar com isso. A pátria educativa de agora e de praticamente todos os governos anteriores, portanto, não é recomendado. E como os horizontes são nublados, eu quero o meu naco: vou logo furar a fila do SUS com um conhecido lá do hospital que sempre me quebra o galho.

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