Gerson, bom de bola e habilidoso no gramado, pagou por todos
nós só por ter aceitado ser propagandista com um tema polêmico num raro momento
de reflexão da sociedade brasileira
Como se
fora a terra de ninguém e de todos, sem leis, sem valores éticos e morais e, sem
alicerces culturais. Nos municípios, nos Estados e no País a situação parece
igual: os grandes “trabalham” para levar grandes vantagens: os pequenos
trabalham para ficar com as insignificantes vantagens.
Os grandes
“trabalham” tem aspas, sim senhor. Os pequenos trabalham nem aspas tem. O
motivo todo mundo sabe. Mas se cabe um exemplo é para destacar que entre os
grandes podem existir autoridades com aspas e autoridades sem aspas. Sejam empresário,
políticos, agropecuaristas, patrões, empregados de cargos elevados e, por
justiça, personalidades de fato.
Uma
caminhada a pé por algumas ruas de Londrina mostra o que é vantagem e o que é
desvantagem. Na Avenida Maringá, a legislação aprovada pela Câmara de
Vereadores durante a gestão de um ex-prefeito fez o recuo para o estacionamento
de veículos nos estabelecimentos comerciais virar uma piada.
Entrada de
mercadorias nos mesmos estabelecimentos é um problema. Grandes fornecedores com
empregados mal pagos e despreparados desrespeitam a lei na cara dura e
descarregam frangos, carne, pacotes de arroz, colchões e outros produtores onde
puderem.
O piso
tátil, também fruto da legislação em vigor para facilitar a vida das pessoas
com deficiências visuais, não existe para quem enxerga tão bem a ponto de poder
comprar e conduzir um carro. Alguns destes colocam seus veículos
desaforadamente sobre o piso demarcado.
Em outra
vias de Londrina empresas revendedoras de carros seminovos estacionam suas mercadorias
bem aonde o pedestre tem que passar para evitar um atropelamento. Há bares que
instalam churrasqueiras nas calçadas. Areia e pedra em construções domésticas
ou comerciais também impedem a passagem de pessoas pelos passeios.
Na Rua João
XXIII, que liga a Avenida Maringá a Avenida JK, na região central da cidade, a
travessia entre uma escola e a parada de ônibus é demarcada com faixas brancas.
Pouco adiante, onde se instalou uma churrascaria e no outro lado há uma igreja
evangélica, a Prefeitura de Londrina mandou pintar faixa colorida para que os
pedestres façam a travessia.
O irônico:
apesar da João XXIII ser rua de mão única e estacionamento permitido apenas à
esquerda, nos horários de funcionamento da churrascaria ambos os lados da via
são ocupados por carros estacionados. Inverdade: além da faixa de travessia
colorida em frente à igreja, antes há o aviso de radar e a velocidade permitida
é de 40 quilômetros
por horas. Mas o radar não existe e a velocidades dos veículos é de disputa:
“Vamos ver quem chega primeiro lá na JK”.
No Calçadão
Central de Londrina, em determinados horários há duas ou mais viaturas da
Guarda Municipal fiscalizando não se sabe o que no local. Alguns passos
adiante, na Rua Quintino Bocaiúva, seja manhã ou tarde há desocupados deitados
nos bancos de cimento da área pública. Só não passa a Guarda Municipal por lá.
Os agentes
de trânsito de Londrina, que logo após o surgimento da corporação contribuiram
em parte com a disciplina no sistema viário da cidade, embora muitos londrinenses
receiam a predominância da indústria da multa, estão escassos e desvalorizados
na gestão do atual prefeito, que prefere armar os Guardas Municipais.
Para que?
Tomara que não seja para os mesmos passearem armados, com suas viaturas, no
Calçadão Central de Londrina. E quanto aos Agentes de Trânsito, é bom dizer que
da mesma forma que houve falhas, como acontece em todos os segmentos nesta
terra de ninguém, também restaram contribuições.
A cidade é
grande e pequena para tantos donos e tamanha escassez de valores morais e éticos.
Qual será a fila que vou conseguir furar hoje? Conheço o assessor do chefe
daquela repartição estadual. Vou ver se consigo apressar o encaminhamento
daquele nosso processo.
O Estado é
enorme em dinheiro desviado, como mostram as investigações de desvios na
Receita Estadual. Mas se eu apoiar tal candidato a deputado estadual nas
próximas eleições e ele for eleito tenho certeza que consigo um emprego num
órgão público. Até um deputado federal conseguiu vaga de diretor para seu filho
e um prefeito vizinho tem mulher com cargo comissionado em Londrina.
O País
também é gigante em casos de corrupção. Mensalão, Petrobras, BNDES e o que
mais? São tantas autoridades querendo vantagens... mas meu filho passou no
concurso do banco estatal e eu tenho um vizinho que é muito conhecido de um
político do atual governo. Vou conversar com ele para apressar a convocação do
meu guri e que seja para uma cidade bem perto.
E só o
Gerson, coitado, que entre as habilidades de jogador de futebol sabia sair em
vantagem com a bola nos pés para as suas jogadas certeiras, foi condenado por
protagonizar um anuncio comercial dizendo que “gostava de levar vantagem em
tudo”. Menos, Seu Gerson. Você só levava vantagem em campo, durante um jogo.
Porque foi se meter a propagandista num país que é terra sem leis e de todo
mundo?
Livro lançado em 1994 já tratava da origem da corrupção no
Brasil
Professor
de Filosofia da Universidade Estadual de Londrina e mestre em Pensamento
Luso-Brasileiro pela Universidade Gama Filho, do Rio de Janeiro, Antonio
Frederico Zancanaro, atualmente aposentado, lançou em 1994 o livro “A Corrupção
Político-Administrativa no Brasil”. O tema foi objeto de pesquisa de Zancanaro
para a monografia de mestrado, na Gama Filho.
Passados mais
de 20 anos, o filósofo londrinense, que também atuou em Umuarama, continua
autor de um livro que serve para todos os momentos deste País chamado Brasil,
especialmente o agora, tão semelhante à época da colonização portuguesa que
contribuiu, segundo Zancanaro, decisivamente na formação moral e ética de nós,
brasileiros.
“Perdida a
capacidade oficial do Estado de solucionar os crônicos problemas sociais e
econômicos e convivendo com a permanente manipulação do Direito, a sociedade
desenvolveu uma mentalidade de faz de conta em relação à lei”, diz o autor na
conclusão da monografia.
“Quem não
ingressasse nos negócios escusos sentia-se socialmente inútil e impossibilitado
de progredir. Passou-se, então, a viver segundo padrões individualistas, cada
cidadão ocupado em amealhar o seu quinhão, enquanto esperava nas medidas
oficiais a solução de seus problemas”, prossegue Zancanaro.
Antes,
porém, na mesma parte conclusiva, o autor diz: “A corrupção
político-administrativa no Brasil possui um viés cultural, como parte do legado
do descobridor português. Presente nas práticas políticas e administrativas
antissociais, implementadas pelos dirigentes do Reino, foi incorporada às
idéias, índole, valores, filosofia de vida e de trabalho da sociedade lusa. E,
com o descobrimento, foi repassada à sociedade brasileira nascente pelos
aventureiros, mercadores, exploradores e funcionários régios através de um
processo informal”.
O duro é
que, igual chulé, isso permanece fortemente impregnado na nossa cultura. O
professor diz que só um sério projeto político-educativo de formação para a
cidadania vai acabar com isso. A pátria educativa de agora e de praticamente
todos os governos anteriores, portanto, não é recomendado. E como os horizontes
são nublados, eu quero o meu naco: vou logo furar a fila do SUS com um
conhecido lá do hospital que sempre me quebra o galho.
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