segunda-feira, 7 de setembro de 2015

REPORTAGEM – O homem lá em cima na frente da telona do cinema

Alcides Cândido operou por quase três décadas os
projetores de cinemas de cidades
da região de Londrina




Nas fotos, Alcides em frente ao painel do antigo
Cine Vila Rica, em Londrina; o projetor chegou a conhecer Mazzaropi, que vinha trazer pessoalmente
os rolos de seus filmes

Alcides Cândido de Souza, casado com Eurides Saraiva e pai de três filhos, todos nascidos em Cambé, é hoje, aos 68 anos de idade, um respeitado zelador de edifício no centro de Londrina. Mas, por 27 anos, ele trabalhou naquele lugar dos cinemas onde muitos garotos gostariam de ficar durante as exibições: a salinha lá em cima, onde ficavam os projetores das fitas em exibição.
Ele trabalhou em Cambé, Rolândia, Londrina e cinemas de outras cidades da região, como funcionário da Empresa Araújo Passos. Os último cinemas por onde Alcides passou foram os cines Vila Rica e Londrina, onde foi gerente.
Em Cambé Alcides trabalhou de 1967 a 1977. Ele lembra que a salinha de projeção esquentava, pois os projetores funcionavam com dois elétrodos de 70 a 90 amperes. “Só tinha a janelinha da projeção e a do operador acompanhar a tela. Raramente dava para sair da salinha”.
Mas se havia garotos que queriam estar no lugar dele, Alcides desenrola o novelo e conta que após as exibições os operadores tinham que rebobinar os filmes, manualmente. O filme “Os Dez Mandamentos” tinha 24 rolos, cada um com cerca de 20 minutos de duração, conforme calcula Alcides.
Além do Vila Rica e do Londrina, Alcides trabalhou também em Londrina no Cine Augusto, Cine Jóia e Cine Espacial, que funcionava na Vila Nova. Em Cambé, conforme relata, ele chegou muito pobre. Morava nas proximidades da Rua Caçadores e teve que improvisar uma cama sobre latões de tinta. O colchão era de palha e tinha que ser batido diariamente para acomodar o recheio de acordo com a preferência do corpo que nele deitava.
O Bar do Pinga era o local de estadia nas horas de folga. O namoro do operador de projeção foi lá pelas bandas da Fonte Luminosa da Praça Getúlio Vargas até o Caramanchão da Igreja Matriz Santo Antônio, durante as quermesses em Cambé. Quando estava trabalhando Alcides olhava, de uma janela do prédio do cinema, a pretendida passando pelas redondezas.
“Ela – a dona Eurides - morava perto de casa e quando eu ia trabalhar no cinema a via varrendo o quintal ou a frente de casa, perto da cerca de balaústres. Eu passava e olhava para ela, que correspondia. Chegando lá em cima, pelas proximidades da Rua Caçadores, eu olhava para trás e acenava. Ela correspondia”.
Dessa troca de gentilezas aconteceram, depois, as trocas de presentes e o namoro, que durou cerca de oito meses. Um dia Alcides e dona Eurides fugiram para casar.
Segundo Alcides, no período em que ficou em Cambé um dos filmes com recorde de público no Cine Universo foi “Uma Longa Fila de Cruz”, que conta a história de caçadores de recompensa atrás de um bando especializado em assassinar mexicanos que cruzam a fronteira americana.
É uma produção italiana de 1970, dirigido por Sergio Garrone, e trás no elenco Anthony Steffen, Willian Berger, Ricardo Garrone, Nicholetta Machiaveli, Mario Brega e Fred Robsham. O filme “Fugindo do Inferno”, com Steve McQueen, trata do nazismo e de seus campos de concentração e também deu boa bilheteria em Cambé.
O outro lado da história é que o operador de projeção assiste filmes de graça. Mas até a exaustão. Alcides assistiu o filme “O Exorcista” umas 200 vezes. “Na maioria das vezes a gente conhecia o filme até de trás para frente”.
Em Londrina, Alcides conheceu Mazzaropi. Chegou a beber café na Padaria Olímpia com o astro brasileiro. É que nos últimos filmes do astro, depois que Mazzaropi montou seu próprio estúdio cinematográfico e produtora, ele próprio, mesmo sendo astro, levava os seus filmes para as salas de exibição. “Trazia três rolos do filme na mão direita e dois na mão esquerda”, diz Alcides. 
Era uma forma de Mazzaropi garantir que seus filmes não fossem manipulados pelas empresas cinematográficas. Naqueles tempos, segundo Alcides, algumas salas de projeção compravam filmes nacionais somente para cumprir as determinações do Conselho Nacional do Cinema. Estes filmes, porém, não chegavam a ser exibidos.

A última sessão de cinema



Nas fotos, cenas de 
“Os Caçadores da Serpente Dourada”

Cambé está sem cinema desde 1983. A última sessão na cidade foi no feriado de 15 de novembro daquele ano. A atração era quase um lançamento: “I Cacciatori Del Cobra D’oro”, no título italiano original, ou “Os Caçadores da Serpente Dourada”, no português.
O filme havia sido lançado em 11 de agosto de 1982. Produzido por Gianfranco Couvoumdjian e dirigido por Antonio Margheriti, o roteiro do próprio Gianfranco junto com Tito Carpi é tido por alguns críticos como uma cópia invejosa de “Os Caçadores da Arca Perdida”, de Steven Spielberg, lançado pouco antes.
A estória se passa na Segunda Guerra Mundial, nas Filipinas. Os heróis são os britânicos e os norte-americanos: David Warbeck faz o papel de Bob Jackson e John Steiner é o Capitão David Franks. Ambos são convocados por suas respectivas embaixadas, nas Filipinas, para invadirem uma base japonesa. Lá teriam que eliminar o agente duplo traidor japonês Yamato. O elenco tem também Antonella Interlenghi, que faz o papel de Julie. 

Depois de tiros, armadilhas, vitórias e derrotas os heróis chegam a um baú de Yamoto, que havia fugido de avião. E o que encontram dentro? Uma serpente de ouro maciço! No cinema de Cambé cabiam 1.500 pessoas. Mas apenas 30 assistiram a última sessão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

PARTICIPE: