sexta-feira, 7 de agosto de 2015

REPORTAGEM – Uma praça no outro lado do muro

O casal Luiz e Bete, pais de Margarete, Ademar e Jorge
e avós de Henrique, Fábio, Luana e outros que virão
para marcar a história com capítulos importantes





Nas fotos, Bete e Luiz, diante da estante com troféus
conquistados por ele no beisebol; a praça, formosa com a sua vegetação; os arbustos, no centro, com enormes troncos; o Santuário de Nossa Senhora Aparecida

Bem pertinho do Santuário

            Diante da bela praça pública o homem estufa os peitos, prende a respiração e mostra ao interlocutor a vida verde e marrom da vegetação que, sem radicalismo e soberba, predomina suave sobre o cimento ao redor. Verde das folhas e marrom dos galhos e dos troncos. Concreto armado para cobrir e solo, esconder a terra, dar passagem as pessoas por trilhas sem poeira ou barro.
            O homem se chama Tsuguio Sato. Descendente de japoneses, ele não tem no registro de nascimento um nome em português. Mas mereceu um de batismo, Luiz. “Quando cheguei aqui as árvores, aquelas que estão no lado da praça, tinham os troncos da grossura de um dedo”, conta Luiz. No meio do cenário, real, há arbustos de troncos da grossura que um homem só não consegue abraçar.
            A chegada foi em 1968, dois anos depois de Luiz ter trocado o município de Sertaneja, na região de Cornélio Procópio, por Londrina. Em1966 Luiz veio morar na Rua Paranapanema, na Grande Vila Nova, em Londrina. Grande, porque a Vila Nova reúne incontáveis comunidades denominadas de vilas ou jardins.
            Luiz estava casado desde 8 de dezembro de 1962 com Yoshico, que também não tem nome português no registro de nascimento mas ganhou um de batismo, Bete. Ele nasceu no Distrito de Motuca, lá no Município de Araraquara, em São Paulo. Foi no dia 10 de maio de 1936. Ela é paranaense. O casal tem três filhos, Margarete, Ademar e Jorge. São três netos, Henrique, Fábio e Luana. O filho mais novo, Jorge, nasceu na casa em frente à praça da Rua Grajaú, na Vila Nova, quase vizinha ao Santuário de Nossa Senhora Aparecida.
            Os Sato chegaram de São Paulo à região de Cornélio Procópio lá pelos anos de 1940. A família havia comprado mata virgem em Sertaneja, onde foi feita a derrubada e o plantio do café. A geada de 1955 foi desanimadora, mas os cafeicultores da região insistiram com a cultura. Cerca de cinco anos depois outra geada, tão forte como a de 55, causou mais prejuízos. Mas foi mesmo a de 1975 que tirou muita gente das lavouras, segundo lembra Luiz. Em 1955, quando ocorreu a primeira geada nos cafeeiros da família, Luiz estava no Exército, servindo no Boqueirão, em Curitiba.
            Quando veio casado com Bete para Londrina, o casal morou de aluguel na casa da Rua Paranapanema. A mudança para a moradia da Rua Grajaú, dois anos depois, foi também com contrato de aluguel. Mas tempos depois o proprietário ofereceu a casa para venda e Luiz fechou o negócio. Era uma moradia de madeira, que com o passar dos  anos recebeu melhorias em alvenaria. Chegou, enfim, um ponto em que Luiz e Bete decidiram derrubar tudo que havia para erguer a casa que eles tanto queriam no lugar.
           
Juntos desde o grupo escolar

            Bete e Luiz completam este ano, no dia 8 de dezembro, 53 anos de casados. Ambos contam que há três anos, nas Bodas de Ouro, decidiram eliminar os festejos comemorativos e viajaram para conhecer o Nordeste brasileiro. “O dinheiro que ia ser usado na festa nós doamos para a Igreja e para outros necessitados”, dizem Bete e Luiz.
            O amor de ambos foi resultado de uma convivência. Bete e Luiz estudaram na mesma escola municipal de Sertaneja. Depois, na adolescência e na juventude, ambos continuaram amigos ainda em Sertaneja participando da Associação dos Moços e da Associação das Moças do clube japonês da cidade.
            Luiz e Bete fazem questão de informar que naquele dezembro de 1962 ambos selaram a união conjugal com uma prática que era rara entre os membros da comunidade japonesa. Além do casamento no civil, que é praxe, Luiz e Bete também casaram no religioso, na Igreja Católica de Sertaneja.

Quase seis décadas de beisebol


            Luiz nem sabia como jogar beisebol quando chegou ao Norte do Paraná em fins dos anos de 1940. Mas, tempos depois, em 1953, graças ao convívio com os membros do clube japonês de Sertaneja, começou a treinar um esporte que só largou quase 60 anos passados, lá por volta de 2010.
            Nesse período colecionou medalhas e troféus, inclusive em competições internacionais. Também foi árbitro de beisebol, atividade que lhe rendeu um troféu que só ele e outro londrinense, Hiroshi Nagano, receberam da Associação de Árbitros.
            Uma das participações de Luiz como atleta em eventos mundiais foi no México, no ano de 1994. Na estante da sala da casa da Rua Grajaú, parte dos prêmios de Luiz podem ser vistos. Mas a esposa Bete diz que há muito mais pela casa, inclusive encaixotados.

Difícil falar da praça de ontem e de hoje

            Comparar a praça do passado com a de agora, nas palavras de Luiz, é difícil. “Mudou bastante”. Na beira da Rua Grajaú uma fileira de árvores foram arrancadas, para a construção de uma área de estacionamento de carros. “Quando mudei para cá a praça era florida”, diz.
            Havia também zelador e zeladora, além de guarda 24 horas. O tanque de peixe tinha carpas ornamentais. Nos tempos das quermesses, quando Roberto Carlos, Jerry Adriani, Wanderley Cardoso e Wanderleia disputavam a preferência dos ouvintes das rádios AMs e já se ouvia Elvis e Beatles, mesmo com certa timidez, os moços ficavam postados em pontos estratégicos da praça, de braços cruzados, cinturão largo, calça Saint tropez e boca de sino, as moças passavam pelos corredores formados pelos rapazes.
            Daquele movimento, conhecido como footing, alguns namoros resultaram em casamentos. As igrejas da Vila Nova e do Jardim Shangri-la se revezavam nas quermesses, normalmente nos meses frios do meio do ano. Quando terminava a “grandiosa quermesse da Vila Nova” começava na semana seguinte a “grandioso quermesse da Paróquia Rainha dos Apóstolos”.
            Havia muito frango assado e batata frita, servidos num clima de namorico com os bilhete trocados no sistema que a rapaziada chamada de correio elegante. A festa na praça acontece, agora, uma vez por ano, em 12 de outubro, data da padroeira. Nossa Senhora Aparecida é homenageada em um mosaico de concreto levantado ao lado de onde existia o tanque de peixes ornamentais e a cascata também desativada. Nele é possível observar os dois pescadores ajoelhados, a imagem de Nossa Senhora e alguns peixes.
            Luiz acha que o policiamento mais constante amenizaria a onda de vandalismo e de presenças estranhas em alguns horários na praça. Uma vez por semana os idosos se reúnem de manhã para ginástica no local. A academia ao ar livre, instalada há pouco mais de um ano, tem frequência da vizinhança em alguns horários. Quantas vezes Luiz se muniu de líquido e pano para apagar as pixações no local?

            Em determinados horários, moradores de rua usam a plataforma em frente ao mosaico de Nossa Senhora Aparecida para dormir. 





Nas fotos acima, as pedras sobre o local onde havia um tanque
com peixes ornamentais; as escadas formavam uma
cascata; no mosaico, os pescadores que encontraram a imagem
de Nossa Senhora Aparecida e alguns peixes; em alguns horários do dia, a praça é ocupada por moradores de rua

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