domingo, 16 de junho de 2013

Crônica - Os sapatos verdes

Parecia esportivo na vitrina. Camurçado, dava impressão de leveza e conforto. Sem cadarços, lembrava agilidade ao calçar. E por que não, liberdade. Amarras, afinal de contas, é sinônimo de prisão.

O solado, de plataforma de borracha, deu idéia de maciez. Era pisar e flutuar. E o preço? Muito abaixo dos demais modelos expostos na vitrina sob os efeitos do fluorescente que ilumina a loja e dos raios de sol que em alguns períodos do dia invadiam o lugar.


Bastaram dez minutos de espera para a atendente aparecer e se colocar à disposição. O homem pediu para experimentar. Ajeitou-se numa banqueta, descalçou os tênis e ajeitou as meias, de forma que os furados ficassem nas solas dos pés e ninguém reparasse no estado precário em que se encontravam.


Foram mais dez minutos de espera até a moça retornar com a caixa contendo um pé. O outro teria que ser retirado da vitrina, pois era o último para do modelo e da numeração adequada. Quando os dois pés foram colocados juntos, nem se reparou à luz ambiente alguma diferença na tonalidade.


Na prova, satisfação total. Os sapatos de camurça caíram como luvas. Se amoldaram nos pés do homem sem folga e sem aperto. Nem pegou nas pontas, onde as unhas encravadas costumavam incomodar. Na articulação obedeceu suprema, sem rangido e muito menos pegar aqui ou ali. Tampouco saiu do calcanhar, pois acompanhou os momentos dos pés como fiel protetor.


O negócio foi fechado. No embrulho o homem até dispensou a caixa, que já tinha um rasgo na tampa e um amassado numa das laterais. Os sapatos foram para a casa do comprador em saco plástico do estabelecimento. Assim não fez tanto volume na mochila e evitou desconforto no ônibus.


A estréia foi marcada para sábado. O plano incluía um par de meias seminovo, lavado somente duas vezes após a compra, a calça jeans que ainda mantinha um azul mais forte, a camiseta branca e nada mais.


Fez sol no sábado, que sorte. Os sapatos ganharam a porta da sala e depois o portão. Na calçada, à primeira batida do sol, denunciaram diferenças. Um pé, aquele mantido na caixa, era verde musgo. O outro que ficou na vitrina pareceu uma mescla entre o amarelado encardido, o marrom e um verde cansado em alguns pontos.


Quarteirões adiante, bem na boca do estacionamento do supermercado, um engraxate cobrou dez reais para passar uma tinta marrom nos calçados. E o novo ficou reformado.

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