domingo, 16 de junho de 2013

Conto - A face oculta


De frente são olhos claros. Marcantes porque miram com firmeza o objeto que se coloca adiante. Ou algo. Ou alguma coisa. Ou alguém. Sob sobrancelhas desenhadas eles se destacam. Redondos e milimetricamente postos, rebaixam com delicadeza a parte de onde o nariz se anuncia, leve, reto, pequeno e atraente.

Nem arrebitado e nem chato, mais fino do que largo, dispensa qualquer tipo de retoque. O nariz é perfeito e feito para aquele formato de rosto, que começa com o ovalado sutil da testa e desce afinando sensato até o queixo, onde se vê o quadrado suave, como se os contornos tivessem sido moldados por mãos acostumadas à arte da perfeição.

Não há exageros nas curvas e nas dobras mais acentuados. O reto é sequência natural de um projeto bem feito. A boca é sensual. Tem lábios suficientemente grossos e tão longos quanto o desejado. Está na medida certa para a pretensão.

É possível observar o rosto de frente sem lê-lo. Diria-se no bater dos olhos que é um rosto naturalmente lindo que dispensa acertos com a trucagem dos cremes, batons, sombras e tantos outros recursos contidos em embalagens miraculosas. Algum realce feito com senso acrescentaria, é verdade.

Haveria, no entanto, dificuldade para folhear a expressão que o rosto exprime. É pelo medo de ler o que os olhos dizem, o que os lábios sugerem e o olfato a que as narinas estão acostumadas. O rosto constrange quem o encara quando passa do ponto de apenas enxergar e se quer ver.

Feito uma barreira levantada espontaneamente, o rosto impede a quem o encara uma interpretação. E fica-se sem saber se ele está sereno ou tenso. Se sorri ou está triste. Se quer ou repugna. Se pede ou dá. O rosto é a face oculta de uma linda mulher que se olha de soslaio, temendo constranger a beleza que ele é.

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