Perdão, senhora. É meu primeiro dia de emprego novo. E novo
também sou na profissão. Providencio e trago agora mesmo outra salada. Prometo
que não vai mais acontecer. É muita correria e eu vou me adaptar. Claro que
aprendo. A senhora pode ter certeza disso. Espero que volte amanhã e faço questão
de atendê-la. Então já serei experiente nas tarefas básicas, mas não tanto
quanto a vida exige. Provavelmente o suficiente para não errar como hoje.
Eu vim de outra profissão na qual gastei trinta e cinco anos
de minha vida. Tenho curso superior e fui, em certa fase, profissional
invejado. Ganhei dinheiro e o pouco que deixo para a família é fruto de muita
labuta. Ah, cometi exageros. Às vezes acumulei três contratos de trabalho. Houve
quando atendi ao mesmo tempo quatro patrões. Dormia pouco, comia mal e nem
feriados e fins de semana guardei. Se eu disser que perdi peso estou mentindo.
O que tive foi um inchaço medonho, fiquei feito uma bola. Cara arredondada,
barriga estufada, peitos caídos e pálpebras assustadoras apareciam no espelho.
A família, naquele tempo, aceitou com normalidade aquele meu
jeito de viver. As crianças passaram a adolescentes e pouco acompanhei o
desenvolvimento delas. O meu papel, em casa, era ganhar dinheiro para dar a
elas boa casa, bom carro, excelente plano de saúde, escola privada de reputação
e roupas, calçados, lazer que dessem estatus. Consegui cumprir a minha missão.
Nunca as crianças cobraram a minha ausência das coisas da
família. Jamais os adolescentes disseram que eu podia ser um pai igual os dos
amigos. Jovens os meus filhos seguiram seus caminhos como se fossem
independentes. Lembro ter sido lembrado por eles no pagamento da faculdade, na
compra de materiais caros de cursos caríssimos, no repasse da mesada e no acerto
dos cartões de crédito. Então me toquei que deixei de ser pai e passei a ser um
patrocinador.
Adultos, eles se encontram comigo quando podem. São momentos
raros e cada vez menos freqüentes. No último Natal só recebi a visita de um
deles. Os outros estavam ocupados. Evito pensar que da riqueza que eu tive
pouco me resta hoje. Será que se fosse o contrário eu teria mais visitas?
E a senhora me ouvindo! Não é sempre que perco o controle da
fala. Hoje senti necessidade e incomodo justo quem me cobra com respeito e
educação a salada que troquei. Mil desculpas, senhora. Nada a ver com a minha
idade. Estou com quase sessenta, mas tenho lucidez para mais vinte pelo menos. É
confusão de garçon iniciante.
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