É tudo a mesma coisa ou nada a ver. Lembrança vaga, neste
momento, é da colega que se tornou amiga e se foi desconheço a causa. Por isso
comparo a ausência dela a um estacionamento de condomínio, o que, no mínimo, é
excessivamente material. E para que ter sentimento?
Aliás. Concluo que ao deixar o espaço desocupado fujo das
interrogações e faço de conta que o vazio não me afeta. E quem, por acaso,
nunca escapuliu passando por cima da cerca de arame farpado?
Nessa sequência obrigo-me a definir a vaga lembrança como um
estado de espírito assumido. Como em Memória da pele, a música de João Bosco e
Wally Salomão, esqueço dos lábios, dos olhos, da cor dos cabelos e da maciez do
rosto.
Sei que eram carnudos e convidativos atrás do brilho
provocativamente trabalhado. Que boca! Só não consigo reproduzir um sabor igual
e não me refiro ao gosto que mexe com o palato. Falo das sensações que
arrepiavam.
Azuis ou verdes? Os olhos confundiam, e como. Se os vi
vermelhos por choro de alegria me escapa a memória. E neste ponto eu vejo a
vaga lembrança que é a da lembrança vaga que eu me provoco. Mas tenho como um
arquivo de vídeo o vermelho do choro de tristeza. Só evito buscar se o causa
fui eu. Isso é lembrança vaga.
Quanto aos cabelos, castanhos. Lisos que ganhavam ondas aos
sinais de chuva. Ondas que ficavam lisas na cadeira do salão. O trecho branco
da lembrança é justo aquele que me cobra: como eles deixavam o rosto da amiga,
que antes era colega, mais bonito? Encaracolados ou surpreendentemente
esticados?
Quando éramos colegas elogiei as duas formas. É difícil
pensar que eu menti num casou ou outro. Depois, já amigos, houve quando fui
honesto, assim como ocorreram derrapagens e deixei de ser franco. Tenho vaga
lembrança das duas situações. É a lembrança vaga que me dou ao direito.
E não lembro do cheiro dela. Apenas assumo que era um
perfume contagiante. E quantas vezes sai do chão atrás daquela fragrância? Isso
eu não lembro, mas admito que foram corridas rotineiras enquanto existiram
percursos.
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