sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Crônica - Boas novas e novas boas


Sexta-feira, vinte e oito de dezembro de dois mil e doze, hora do almoço. O teclado do tablet é desobediente. Ou os dedos são gordos. Até aqui a revisão evitou erros, mas pode ser que a partir de agora os olhos enganem o cérebro. É assim que a gente costuma cometer equívocos: digita acima ou ao lado e sai a letrinha de baixo. A que a gente quer apertar escapa da nossa capacidade de escrever com sobriedade.

Ébrio! Após uma colher e meia de arroz com molho de tomate, saladinha num canto do prato, um naco fino de carne e queijo grelhado, as pálpebras descem. Nunca pela quantidade da comida. Sempre pelo calor do começo de verão. O termômetro da esquina, desvairado, marca setenta e dois graus. É a insolação que faz isso. Não há componente eletrônico que funcione com febre.

E o texto, enrolado, chega finalmente ao terceiro parágrafo. Minha mulher leria o que digo até aqui e diria que está maravilhoso. É que eu tenho muito influência sobre ela. Fora o cigarro ela não tem qualquer restrição quanto a mim. Pelo contrário, uma admiração mecânica , automática, desprezadamente admitida. Às vezes tenho a impressão que é pouco caso. Depois aceito que é fruto da convivência de 32 anos. Haja tolerância de ambas as partes...

Mas, enfim, por que divago num momento que tende ser promissor?  Eu poderia trabalhar um balanço do ano que se vai. E falar de política? De mim mesmo? Da cobiçada vizinha do andar de baixo? Da Dilma, Lula ou do ministro Barbosa? O gordo que perdeu dezessete quilos continua balofo. Entre eu e ele, confio neste que não recebeu seis milhões de reais para fazer ginástica, dançar esquisitice, falar bobagem e influenciar equivocados. Perco muito peso correndo pela sobrevivência. E o salário, ó!

Também não falo do rei cantor e seu show de final de ano na televisão. Nem tenho como comentar, pois não assisti. De ouvido sei que ele cantou a música que faz sucesso por causa da novela, porque o vizinho do quinto andar estourou o volume do seu plasma quarenta e duas polegadas e encheu todo o prédio de babaquice.

Ainda ébrio, lembro da vitrola antiga que minha mãe guardava com zelo num canto do quarto, sobre uma penteadeira que aceitava, além de batons, pó de arroz e perfumes, escovas de lustrar sapatos. E tinha um setenta e oito rotações que rodando trazia a voz de Vicente Celestino: “Tornei-me um ébrio...”

Confissão desnecessária. Quem é que nunca ficou bêbado de álcool, amor, perfume barato no corpo da mulher descendo no elevador, querosene usado no condomínio para limpar vidro, carro antigo com carburador entupido ou espumante de baixa qualidade? Tudo isso é vinho tinto seco adocicado para enganar criança. Goela abaixo faz a sobriedade bater no teto e resvalar na descida por encostos de cadeira, quina de mesa, porta aberta de guarda-roupa e bicicleta de menino travesso deixada no meio da sala.

Ao tocar o chão a sobriedade está tontinha. É assim que surgem os ébrios, sejam eles cantores, jornalistas, cronistas, políticos ou muito mais. Cinco minutos para voltar ao trabalho e enfrentar a jornada vespertina. Hora de fazer a cuminância. Aliás, que palavrão esquisito! Cuminância. O pessoal da educação é viciado em usá-la. Cuminância das atividades realizadas durante o ano! Nem toque de charme o uso da dita proporciona.

Então, depois de tantos devaneios, só me resta pedir a mim mesmo que eu tenha inspiração e criatividade para prosseguir contista e cronista neste finalzinho de ano e em dois mil e treze inteiro. Juro que se eu fosse famoso e rico escreveria só quando desse vontade. Como estou do contrário, até esqueço de desejar, de coração, aos meus fiéis leitores, um Ano Novo muito promissor.


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