quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Conto - Para um filho distante


Silvia passou o Natal. Na ceia, cercada por familiares, parentes, amigos, conhecidos e muito menos, sentiu-se sozinha. Lá fora, fogos de artifícios nem deram luzes coloridas ou fizeram barulho. No amplo salão de um clube social, aperitivos e coquetéis perderam o sabor até na hora do brinde.

Ela bem que gostaria de ter se ausentado dali para sentir de fato a solidão isolada no apartamento do nono andar de um bairro nobre. Da janela da sala é possível ver distante. À noite, faróis de carros vão e vem. E nunca se sabe qual é o destino dos motoristas que os conduzem.

A necessidade de isolamento é um estado de espírito. Entre forçar o riso nas brincadeiras de troca de presentes e engolir pausadamente o espumante, à meia luz e meia dose, Silvia, se tivesse ousadia para desafiar regras e pisar nas convenções, escolheria o chão de piso frio. É onde ela se entregaria, deitada em poucas roupas, a pensar no passado e no presente. O futuro, quem diria, dependia de acontecimentos.

A dor que a gente sente é definível. Chega-se ao ponto e à causa mesmo diante de um diagnóstico precário. Assim dizemos que a ardência é física, fruto de uma torção, um corte na pele, uma queda a trincar ossos e distender músculos. Ou o sofrimento tem causa psicológica, culpa de um coração atormentado. O amor, por exemplo, pode ser uma doença e leva à angústia, depressão, revolta, ódio, ciúmes e outras crises.

Queimam os músculos de Silvia bem nos ombros. A nuca lateja e faz subir pontadas no cérebro. A dor de Silvia é física e psicológica. A física, que tenciona o pescoço e estonteia a cabeça, é consequência da debilidade da alma que faz pensar, chorar, querer, retornar, ficar, adiantar e fugir. Nunca se sabe o rumo a ser tomado.

Silvia sofre de amor. Há anos ela está longe de seu filho. Dele, quando muito, escuta a voz ao telefone. Nos sonhos alimenta a imagem do menino que nunca envelhece, pois o que ficou dele desde a despedida anos atrás é a figura de um jovem entusiasmado com o plano de ir, crescer, vencer e um dia voltar glorioso.

Faz tanto tempo e nada se consolida. A saudade mata quando é impossível reformular projetos ou fazer de conta que eles nunca foram rascunhados. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário

PARTICIPE: