Silvia passou o Natal. Na ceia, cercada por familiares,
parentes, amigos, conhecidos e muito menos, sentiu-se sozinha. Lá fora, fogos
de artifícios nem deram luzes coloridas ou fizeram barulho. No amplo salão de
um clube social, aperitivos e coquetéis perderam o sabor até na hora do brinde.
Ela bem que gostaria de ter se ausentado dali para
sentir de fato a solidão isolada no apartamento do nono andar de um bairro
nobre. Da janela da sala é possível ver distante. À noite, faróis de carros vão
e vem. E nunca se sabe qual é o destino dos motoristas que os conduzem.
A necessidade de isolamento é um estado de espírito.
Entre forçar o riso nas brincadeiras de troca de presentes e engolir
pausadamente o espumante, à meia luz e meia dose, Silvia, se tivesse ousadia
para desafiar regras e pisar nas convenções, escolheria o chão de piso frio. É
onde ela se entregaria, deitada em poucas roupas, a pensar no passado e no
presente. O futuro, quem diria, dependia de acontecimentos.
A dor que a gente sente é definível. Chega-se ao
ponto e à causa mesmo diante de um diagnóstico precário. Assim dizemos que a
ardência é física, fruto de uma torção, um corte na pele, uma queda a trincar
ossos e distender músculos. Ou o sofrimento tem causa psicológica, culpa de um
coração atormentado. O amor, por exemplo, pode ser uma doença e leva à
angústia, depressão, revolta, ódio, ciúmes e outras crises.
Queimam os músculos de Silvia bem nos ombros. A nuca
lateja e faz subir pontadas no cérebro. A dor de Silvia é física e psicológica.
A física, que tenciona o pescoço e estonteia a cabeça, é consequência da
debilidade da alma que faz pensar, chorar, querer, retornar, ficar, adiantar e
fugir. Nunca se sabe o rumo a ser tomado.
Silvia sofre de amor. Há anos ela está longe de seu
filho. Dele, quando muito, escuta a voz ao telefone. Nos sonhos alimenta a
imagem do menino que nunca envelhece, pois o que ficou dele desde a despedida
anos atrás é a figura de um jovem entusiasmado com o plano de ir, crescer,
vencer e um dia voltar glorioso.
Faz tanto tempo e nada se consolida. A saudade mata
quando é impossível reformular projetos ou fazer de conta que eles nunca foram
rascunhados.
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