quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Conto - Mudança

Passada a correria dos preparativos natalinos Euzébio é uma espécie de mandruvá despencada das folhas da mandioca. Estatelada sobre a terra quente e com todo o costado exposto ao sol, a taturana ferve e amolece. Quando muito se estica rumo ao terreno onde a ilusória sombra promete alívio. Não do mormaço, pois este incomoda até na água.

É bem o que Euzébio imagina enquanto descansa na cadeira de plástico. Desconfortável, faz o suor descer pelo encosto e empapar camisa. Se Euzébio se levantar para procurar passagem de vento, lá a claridade da luz do dia aquece muito mais até porque o vento é leve e ligeiro, com intervalo cada vez mais demorado entre um assopro e outro. E se Euzébio permanecer à sombra, onde ele está, a impressão é que sobe do piso um redemoinho de ar quente.

A preguiça de Euzébio não é física. Pai, avô e bisavô, ele e dona Marilda, parceira de 49 anos, fizeram tudo o que tinha que ser feito para receber filhos,filhas, noras, genros, netos e bisnetos no Natal. De costumes antigos, ambos são do tempo da mesa farta, com quatro ou cinco carnes diferentes, arroz, macarrão, salada, guaraná, refresco, cerveja, vinho, espumante, melancia, laranja, bolo e tortas doces e salgadas. É preciso muita fome para provar um tanto de cada prato.

Tudo preparado em casa. Funcionam simultaneamente desde a véspera o fogão a gás, o forno a lenha, a churrasqueira, os dois liquidificadores da casa, o refrigerador duplex e o comunzinho, antigo mas de boa marca e resultado excelente. Do início do almoço até o meio da tarde ninguém pode ficar sem mexer a boca. Senão os velhos ficam incomodados.

A casa de Euzébio e dona Marilda ocupa o quintal de um bairro nem longe e nem perto da região central da cidade. É uma localidade antiga, onde as primeiras famílias se estabeleceram e passaram as propriedades de pais para filhos. Ainda há construções em madeira. Enormes, são cercadas por árvores frondosas e terrenos livres dos cimentos invasores. Se passam carros na rua em frente com buzinas, roncos e músicas em volume escandaloso, nos fundos ainda há como trazer um pouco do passado ao presente.

Antes o casal e sua cria festejavam ali mesmo. Depois do almoço cochilavam no quintal e só após refeitos do amolecimento que a refeição causa iam juntos para a pia. Com os casamentos, os filhos e as filhas passaram a ser meros frequentadores desses encontros anuais. Agora, das duas filhas casadas uma está divorciada. Um dos filhos, casado e morando longe, desprezou o apelo dos pais e nem uma ligação telefônica fez para desejar Feliz Natal.

O cansaço de Euzébio é, na verdade, mais um desânimo por sentir que está perdendo os laços familiares. Ele nunca se imaginou controlando a cria. E a indignação é por se sentir controlado. Os filhos, as filhas, os genros, as noras e seus rebentos só aparecem quando é oportuno estar presente. Esse é o cansaço de Euzébio. Se hoje é assim, como será no Natal do ano que vem? A pergunta, feita com insistência para si mesmo, é uma tortura. No chão queimando o mandruvá não consegue subir às folhas.

 

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