quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Conto - O atendente


Seu ofício é atender porque um atendente atende. Bem ou mal, de coração ou com descaso, ético ou nem tanto. Fez parte do treinamento, antes de assumir a função, uma recomendação básica: se tiver cem pessoas na fila, a prioridade sempre será daquela que por ventura vier indicada por alguém da diretoria. Depois os recomendados pelos gerentes. Em seguida os que vierem acompanhados pelos chefes de seções.

Quanto aos demais, que são aquelas cem pessoas da fila, a regra é saber interpretar cada uma delas pela roupa que usa, pela expressão do rosto e se for o caso, sendo mulher, pela beleza. As feias que fiquem por último. Os pobres também. E o que tem a ver a expressão do rosto? Fácil. Veja se não ter jeito de ser encrenqueiro. Criadores de caso são atendidos na frente, mas saem do guichê sem ter seus negócios fechados. Por isso é fundamental saber criar falsa expectativa. E um bom atendente é craque nisso.

O velhinho de 68 anos era o penúltimo da fila. Tinha que esperar as noventa e oito pessoas à frente, além de onze recomendados pela diretoria, nove parentes dos proprietários da empresa, trinta e um indicados por gerentes e cerca de uns tantos acompanhados por chefes de seções.

Roupinha simples, carinha de gente boa tamanha era a calma que demonstrava, ninguém dava a ele um saldo bancário invejavelmente gordo. Rico não se veste daquele jeito, imaginou o atendente. Rico não enfrenta fila, dá um jeito de subornar, continuava a pensar o atendente.

Acontece que o velhinho era rico não só no banco e nas propriedades que tinha. O velhinho era rico de cidadania. E nem fazia questão de esperar. Aproveitava as ocasiões para conversar. Não fosse o mal súbito ele teria sido atendido cerca de sete horas depois que entrou na fila. Mas foi muito antes, mais ou menos uma hora e meia, socorrido pelo Siate.

A culpa foi do atendente. Ninguém da empresa assumiu que tinham ensinado o atendente a ser sacana, principalmente depois que tomaram ciência: o velhinho de roupa simples e cara de pobre era, no mínimo, um promissor dono de conta corrente e imóveis.


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