Esse cara tá tirando uma! Esgueira-se pelas calçadas
das ruas comerciais feito um coelho e some. Comentam, sem dados concretos, que
ele foge de alguém ou de alguma coisa. Não se sabe o que.
Ontem ele obrigou um grupo de conhecidos a fazer
três travessias doidas na avenida, fora da faixa de pedestres. Esbarraram em
carros parados no sinal vermelho, entornaram sorvetes de crianças, derramaram
pipocas de aposentados e um, na correria, deu de cara com um poste. Formou um
vergão na testa do tamanho que nem curativo de farmácia cobre.
E cadê o cara? A última vez que o viram foi na dobra
da esquina dois quarteirões adiante, depois de um subidão. Isso sob um calor de
trinta e cinco graus embaixo da marquise da loja de confecções. No sol devia
estar uns quarenta e tantos.
Estranho o comportamento do cara. Ele sempre foi
chegado. Tanto que uns diziam ele ser intrometido por aparecer de supetão em
lugares onde não era convidado e entrar em conversas cujo conteúdo não convinha
a um penetra.
E nem era para se enturmar que o cara se metia a
besta infiltrado em grupos que o preferiam longe. Era para aproveitar a
saideira e beber pela décima-sétima vez o último copo de cerveja. O cara nunca
enfiava a mão no bolso na hora de fechar a conta. De fininho se colocava lá
longe, encarando a tela do aparelho de tevê como se estivesse prestando atenção
no noticiário.
Todo bar de noitada tem televisão, mas nem sempre a
dita está ligada, principalmente quando as portas já estão fechadas. É um aviso
do dono aos fregueses: Vamos embora, gente. Mesmo assim o cara ficava diante
dela, de costas para o grupo, com o olhar fixo no nada.
E agora fugia dos conhecidos! Ficou rico e chato?
Mudou de religião? Fosse político que se candidatou nas eleições passadas e
poderia se imaginar: o cara andou fazendo promessas e não tem como cumprir.
Calote financeiro ela não dá em ninguém, pois ninguém empresta a ele.
Tem a história da pensão. Quatro anos atrás ele foi
preso três vezes, duas por não depositar na Justiça o que devia à ex-mulher e
uma por ter desacatado o oficial de justiça que foi lhe entregar a notificação.
Mas hoje em dia a ex-mulher nem denuncia. Ela desistiu e não foi por pena do
cara. Foi por achar que ele é um caso perdido.
E lá vai ele! Olha só a roupa que usa! O cara está
de Papai Noel! Corre senão ele some. Capaz de se enfiar no meio da multidão e
escapar por uma galeria. É um Papai Noel magro, de roupa desajeitada e a barba
cobrindo do pescoço para baixo. É que o barbante que prendia os pelos
artificiais se desprendeu da orelha direita. E a barba caiu do queixo para o
pescoço.
Alguém o cerque pela outra saída. Três ficam a
postos na porta dos sanitários. Dois garantem a entrada da choperia. O cara
está aprontando e é preciso tirar a limpo. Alguma coisa aconteceu, essa mudança
não é à toa.
A correria e a tática para pegar o sujeito duraram
por quatro galerias comerciais. Lá longe ele foi rendido por culpa de um
sorveteiro. O ambulante não percebeu o cara e cortou a frente dele com o
carrinho de picolés. Foi um tombo!
E os conhecidos pegaram o fujão. Acuado, ele
justificou que sentia vergonha de ser Papai Noel de uma loja de confecções
infantis. Tem sentido. O cara nunca se deu ao filho que teve com a ex. O menino
hoje deve estar com uns dezessete e se vir o pai de Noel vai mais ironizar do
que odiar.
Assim é a vida, cara!
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