A chuvarada não causa alagamento. O culpado disso é
a falta de manutenção das galerias de águas pluviais pelo pode público. Ou, na
pior das hipóteses, a inexistência de sistema de escoamento das águas da chuva.
A chuvarada não prejudica o movimento do comércio às
vésperas do Natal. O culpado disso é a falta de dinheiro no bolso do
consumidor. A maioria espera a entrada da segunda parcela do décimo-terceiro
salário para gastar parte nas compras de final de ano.
A chuvarada, ou a ausência dela, não é a causa do
racionamento de água. O culpado disso é a falta de investimento de alguém num
sistema de captação, tratamento e abastecimento que atenda às necessidades da
população.
A natureza é repetidamente colocada no banco dos réus
por políticos em discursos equivocados. De tão frequentes, as falas idiotas são
assumidas pelos meios de comunicação. É tamanha a insistência da burrice que
aos poucos o ouvinte, o telespectador, o leitor e aqueles que navegam na
internet aceitam, compassivamente, o absurdo.
Sábado assisti o telejornal e vi um garoto com
diploma de jornalista dizer que a chuvarada impediu o consumidor de ir às
compras. Entre pensar que a emissora que contrata o novato é parceira da
entidade comercial e vive dos anúncios publicitários das empresas, estendi
conjecturas e fui ao atrelamento de alguns meios de comunicação ao poder
público.
A estes que fazem parte desta cadeia política e
comercial sempre interessa a desculpa esfarrada. Se o morro desliza a culpa é
dos fenômenos climáticos. Se o deslizamento soterra casas é porque choveu
demais. Se as mortes foram muitas em função do soterramento os culpados são os
moradores que invadiram o local.
Em Santa Catarina há encostas ocupadas por mansões.
Isso seria invasão? Ou invasões só ocorrem quando os morros são ocupados por
barracos? Nos dois casos o meio ambiente sofreu agressões e responde com
deslizamentos, soterramentos, mortes e, enfim, tragédias.
O menino da televisão, com um diploma de
recém-formado em jornalismo, discursa bonito contra os culpados desde que eles não
representem interesses da empresa que o contrata. A natureza, aliás, não
patrocina programas de interatividade duvidosa: ligue tal número e vote em “a”,
“b” ou “c”. Assim, pobre coitado, você patrocina a emissora de televisão, as
operadoras de telefonia e divulga os bancadores da programação.
Quem banca mesmo? Os patrocinadores? Vamos para o
extremo do radicalismo: hoje a redução do IPI dos carros novos diminui a cota
dos municípios brasileiros no Fundo de Participação dos Municípios. É menos
investimento em saúde, educação, ação social, asfalto, galerias de águas
pluviais, abastecimento de água, cultura e qualidade de vida. Então nós,
inclusive os que não compraram carros com IPI reduzido, pagamos para manter as
montadoras de veículos em pleno funcionamento.
E temos que ter em mente que quem banca o estado, em
suas diferentes esferas, é o contribuinte. Todos nós somos contribuintes, mesmo
no momento em que estamos desempregados. Pois compramos um pão e pagamos o
imposto que incide sobre o produto. Não é o dono da padaria que recolhe o
tributo. Somos nós. O dono da padaria repassa o valor ao consumidor.
Eles pensam que nos enganam. E a gente, quieta no
canto, faz de conta que tudo vai bem. E se não fosse a chuvarada estaria melhor
ainda. Concorda conosco, repórter novato?
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