segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Crônica - O necessário radicalismo


A chuvarada não causa alagamento. O culpado disso é a falta de manutenção das galerias de águas pluviais pelo pode público. Ou, na pior das hipóteses, a inexistência de sistema de escoamento das águas da chuva.

A chuvarada não prejudica o movimento do comércio às vésperas do Natal. O culpado disso é a falta de dinheiro no bolso do consumidor. A maioria espera a entrada da segunda parcela do décimo-terceiro salário para gastar parte nas compras de final de ano.

A chuvarada, ou a ausência dela, não é a causa do racionamento de água. O culpado disso é a falta de investimento de alguém num sistema de captação, tratamento e abastecimento que atenda às necessidades da população.

A natureza é repetidamente colocada no banco dos réus por políticos em discursos equivocados. De tão frequentes, as falas idiotas são assumidas pelos meios de comunicação. É tamanha a insistência da burrice que aos poucos o ouvinte, o telespectador, o leitor e aqueles que navegam na internet aceitam, compassivamente, o absurdo.

Sábado assisti o telejornal e vi um garoto com diploma de jornalista dizer que a chuvarada impediu o consumidor de ir às compras. Entre pensar que a emissora que contrata o novato é parceira da entidade comercial e vive dos anúncios publicitários das empresas, estendi conjecturas e fui ao atrelamento de alguns meios de comunicação ao poder público.

A estes que fazem parte desta cadeia política e comercial sempre interessa a desculpa esfarrada. Se o morro desliza a culpa é dos fenômenos climáticos. Se o deslizamento soterra casas é porque choveu demais. Se as mortes foram muitas em função do soterramento os culpados são os moradores que invadiram o local.

Em Santa Catarina há encostas ocupadas por mansões. Isso seria invasão? Ou invasões só ocorrem quando os morros são ocupados por barracos? Nos dois casos o meio ambiente sofreu agressões e responde com deslizamentos, soterramentos, mortes e, enfim, tragédias.

O menino da televisão, com um diploma de recém-formado em jornalismo, discursa bonito contra os culpados desde que eles não representem interesses da empresa que o contrata. A natureza, aliás, não patrocina programas de interatividade duvidosa: ligue tal número e vote em “a”, “b” ou “c”. Assim, pobre coitado, você patrocina a emissora de televisão, as operadoras de telefonia e divulga os bancadores da programação.

Quem banca mesmo? Os patrocinadores? Vamos para o extremo do radicalismo: hoje a redução do IPI dos carros novos diminui a cota dos municípios brasileiros no Fundo de Participação dos Municípios. É menos investimento em saúde, educação, ação social, asfalto, galerias de águas pluviais, abastecimento de água, cultura e qualidade de vida. Então nós, inclusive os que não compraram carros com IPI reduzido, pagamos para manter as montadoras de veículos em pleno funcionamento.

E temos que ter em mente que quem banca o estado, em suas diferentes esferas, é o contribuinte. Todos nós somos contribuintes, mesmo no momento em que estamos desempregados. Pois compramos um pão e pagamos o imposto que incide sobre o produto. Não é o dono da padaria que recolhe o tributo. Somos nós. O dono da padaria repassa o valor ao consumidor.

Eles pensam que nos enganam. E a gente, quieta no canto, faz de conta que tudo vai bem. E se não fosse a chuvarada estaria melhor ainda. Concorda conosco, repórter novato?


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