quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Crônica - Charme ensaiado


Tenho dúvidas. Penso Lenita clássica, de sapatilhas e delicadeza nos movimentos. E me pergunto como ela se movimentaria no baião, xote ou xaxado. Provavelmente não perderia classe, mas ficaria inútil se houvesse coreografia para o forró. Por sorte não há.

O que pode acontecer são improvisos de grupos: um joga o braço para trás, os outros repetem; alguém coça o olho, a turma toda se põe a passar as costas das mãos, suadas,  nas retinas. A vida é assim mesmo, cheia de imitações e repetições.

Lenita não serve para o forró. Ela é uma bailarina de mediana para cima. Nunca chegará à versão brasileira do Bolshoi, mas não faz feio. Bem que eu gostaria que ela fugisse um tantinho das regras acadêmicas. E dançasse o seu balé sob acordes menos parecidos com os dos cisnes dos lagos. Um balé moderno, dinâmico, espontâneo é a cara dela, que não assume por ser fiel aos ensinamentos que acumula desde os seis anos de idade.

Lenita, provavelmente, ainda usava fraldas quando seus pais selaram a sua vocação. Entre aulas, exercícios preparatórios, ensaios e disciplina que outras mocinhas da idade desprezaram, Lenita pegou até o jeitinho das grandes bailarinas: magra, alta, rosto delicadamente afunilado e os cabelos presos.

Na festa de seus quinze anos ela tentou. Viu os adolescentes convidados variando ritmos, nunca com perfeição, mas com vontade de parecer samba, hip hop, rock, cirandinha, terere-te-te e outras aberrações. Lenita parecia um robô.

Hoje, aos vinte e sete, Lenita está praticamente descartada para os grandes espetáculos. De dançarina virou ajudante da assistente da terceira auxiliar da professora. Ela ensina os primeiros passinhos aos iniciantes. Ao ver as rugas se acentuando ao redor dos olhos, imagino que as marcas precoces são o preço de uma vida toda de disciplina até na hora de comer.

Nunca vi Lenita morder um cachorro quente lambuzando as mãos com catchup e maionese. Às vezes a encontrei com tiras finas de maçã entre os dedos, e ainda assim com expressão de remorso por ter cometido o pecado da gula. Já tentei imaginar Lenita beijando. É muito difícil produzir na mente uma cena dela se entregando.

Então lembrei a Lenita que treze de dezembro é o Dia Nacional do Forró. Data em homenagem ao Rei do Baião, Luiz Gonzaga, filho de Seu Januário e pai de Gonzaguinha. Ela respondeu com desprezo, aliás resposta que se dá perguntando: “É mesmo?”

Assunto encerrado. Por delicadeza encompridei a conversa. Disse a ela que tem professor que dá aula de street dance. Argumentei que o próprio nome diz: o street é dança de rua e cada dançarino faz o seu estilo, da mesma forma que o grupo que o acompanha usa da criatividade e do improviso para mostrar talento. Enfim, conclui que professor de street dance é piada.

Lenita fez que não escutou. Pegou um biscoito água e sal do pacote aberto, repartiu no meio e dividiu o meio que ficou com ela em dois. No tempo que ela gastou para a mastigação daquele pedacinho eu comi dois pães franceses, o meu e o dela.Tomara que eu nunca veja Lenita dançando forró. Deve ser coisa feia.


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