quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Conto - Ambiente hostil


Paredes brancas artificialmente iluminadas trazem lembranças nem tanto agradáveis. É um ambiente limpo se olhado com visão cotidiana e despreocupada. Nenhum vírus ou bactéria traz ameaça de infecção. Pelo menos não se enxerga alguma espécie escondida na parede, exceto a pequena mariposa perturbando a lâmpada fluorescente. De onde ela teria invadido o quarto, eis uma indagação que o próprio autor da pergunta faz pouco caso da resposta.

O olho não vê e o coração não sente. É uma verdade relativa. No amor tantos jamais testemunharam, mas ouviram falar. E sofrem. No quarto de paredes brancas a limpeza é tamanha que irrita. Nem um cisco no chão de piso frio. Nem uma ruga no lençol esteticamente exposto sobre a cama. Nem uma teia de aranha na quina do forro de gesso.

Tirando a mariposa já abestalhada de tanto se bater na luz, existiu vida por aqui? E a cama, se levado em conta a decoração que o pano faz sobre ela, serve para se deitar ou é apenas uma peça para enfeitar o lugar? O que sai do tom é o sofá de três lugares. Forrado de corvim marrom causa impacto.Torna-se, porém, acolhedor quando se percebe que ele está ali para ser sentado.

E sem frescura. Com as pernas abertas ou cruzadas, com as nádegas de atravessado, com os pés em cima e até de lado, quase deitando relaxado nas três vagas que ele permite. E para que tanto espaço se a convenção é regra? Alguém e seu acompanhante, ninguém mais.

Dois seres quietos, lado a lado, no sofá. Diante da cama vazia. Nada fazem e nem olham. Não há um tremor de pele, uma reação dos lábios, uma piscada. Se miram para algum canto provavelmente nada enxergam, pois o que há na frente é o branco clareado com luz.

Se há janelas as persianas estão fechadas. Faz barulho do outro lado, mas dentro nada se escuta porque não se quer ouvir o que ocorre lá fora. O ar é condicionado, até nisso o ambiente é produzido para acomodar sabe-se por quanto tempo esse alguém e seu acompanhante enquanto eles esperam.

Horas passadas e os minutos vão girando no visor de acrílico do relógio de parede bege claro. Será que não encontraram um branco? Ou, provavelmente, escolheram o tom pouco escuro para avisar que o tempo se esgota. E nem se dá conta do tique taque que as engrenagens fazem para a madrugada virar manhã, a manhã chamar o calor vespertino e a tarde invocar a noite. É certo: ninguém, naquela circunstância, está disposto a ouvir algo.

Só depois de muito silêncio a enfermeira traz a cadeira de rodas. Alguém é levado para o centro cirúrgico e o acompanhante espera no quarto de paredes brancas artificialmente iluminadas. A mariposa sumiu, não se sabe por onde ela se foi. A cama sequer foi usada, alguém preferiu esperar sua hora no sofá. O acompanhante, inquieto, nem sentado consegue esperar. Hospital é assim mesmo.



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