terça-feira, 13 de novembro de 2012

Crônica - Segurar as mãos


O rosto nunca se esconde. Lave-o com água da torneira do tanque de roupa e passe uma gordura. Lisa, a pele faz resvalar as pedras que atiram. A dor física ao contato de cada uma é temporária. O importante é que não restem cicatrizes. A mancha que fica no coração ninguém percebe. As marcas visíveis é que preocupam.

Heróis são ídolos e ídolos são heróis. Nunca, porém, na proporção do casamento tradicional. O para sempre é apenas uma promessa. Heróis se perpetuam nas histórias em quadrinhos porque suas imagens são impressas e preservadas. Nem a qualidade precária do papel usado nos gibis desfaz façanhas mirabolantes pelo bem. Diferente do cinema: cenas movimentadas podem denunciar defeitos.

Ídolos resistem por serem intocáveis. A estonteante beleza da atriz só faz dela uma imagem pretendida. E nem sempre o seu talento é a causa do amor meio platônico e mais fantasia que lhe dispensam. A relação é mantida pelo impossível de ser e acontecer. Enquanto ela for estrela será a preferida.

Heróis e ídolos, há um preço para ambos. Não só nos gibis e nos cinemas a cota devida por estes é alta. Heróis e ídolos fabricados morrem mais cedo. Lutadores bancados por jornais caem após a primeira derrota. Jogadores de futebol carimbados por emissoras de televisão escorregam em seguida à primeira falha.

Há quem suba e outros descem. Tantos sobem e descem as escadas rolantes instaladas no cotidiano da multidão. Pais são ídolos de seus filhos até quando forem pais. Mães são heroínas eternas e só se transformam em barro se pecarem no quadrante dos instintos maternais.

Os braços descem e se estendem até o meio das coxas. O rosto brilha de um sebo natural. O hálito forte e repugnante do café atordoa. A fala é limpa, pois todos os engasgos foram reprimidos no extenso maço de papéis. É a cola do orador, em letras garrafais, sustentando um discurso.

Ele é um herói e ídolo. E de tão ídolo virou herói, ninguém se importa com a diferença entre um e outro. O povo faz silêncio, é hora de ouvi-lo. Ele ajeita o corpo e se posta. Alivia a pressão da gravata e se toca: onde colocar as mãos enquanto cumpre o seu papel de falar tantas mentiras? 


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