Marlene é um nome rabiscado numa velha agenda.
As letras ainda eram desenhadas com certo capricho. Significa que quando Marlene
ganhou aquela página eramos, se muito, novatos na adolescência. É provável que pensávamos
um no outro sem malícias. E nem pretensões haveria entre amigos de brincadeiras
de rua que se torturavam aos risos nos jogos de bola queimada e bétis.
Nada de saliente foi
registrado. Nem um beijo ou conversa de cerca com as mãos dadas estão anotados.
Se houve namoro deve ter sido graus abaixo do morno. Ignoro se num sábado daqueles
fomos ao cinema juntos. Só nós dois, porque em turma até nadamos com os outros nas
águas geladas do córrego adiante.
Lembro do rosto de
Marlene. Miúdo e delicado, com os cabelos castanhos na altura dos ombros fazendo
moldura. A pele era clara e lisa. Evito dizer se tinha maciez, pois nunca afaguei,
nem por acidente, qualquer parte de Marlene. Nove ou dez anos, nem sei ao certo
a idade dela. E isso me soa normal, já que nem sei quantos anos eu tinha quando
Marlene morou no meu coração.
O que me dá certeza
é que houve, de mim para ela, algo que nunca chegou a amor. E dela para mim desconheço
se fomos apenas duas crianças vizinhas que aproveitaram juntas a infância e iniciaram
a adolescência disfarçadamente conscientes de que havia chegado a hora de encerrar
as brincadeiras para outros nomes serem escritos em suas agendas.
Ontem Marlene passou
por mim. Madura, casada, dona de si e acompanhada pelo marido. Elegante! Foi, na
verdade, a única vez que eu vi Marlene como mulher. Foi só então que eu assumi que
se um dia falamos um ao outro que eramos namorados, jamais pensamos em fazer das
nossas juras mais do que uma brincadeira.
Marlene seguiu sem
ao menos um cumprimento de mão. Nem me toquei se ela disse um bom dia ou apenas
sinalizou com a cabeça um olá. Em casa revirei a gaveta da agenda velha e rasguei
a página com o nome dela.
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