O rato recusou roer a roupa do rei. Dizem alguns
súditos que foi por respeito. Mas estes são a minoria. Há corrente, pouco mais
substanciosa, que defende a tese do repúdio à vestimenta. Desse posicionamento
oposicionista sai que a espécie roedora sente nojo do sofisticado, nobre e
caro, pois nem sempre a etiqueta que se mostra confere com a qualidade do
etiquetado.
Difícil compreender tal defesa. Vi um amigo de
faculdade metido num terno preto sobre camisa branca e gravata. Na batida do
olho me perguntei: “Foi passado com ferro comum ou a vapor?” Ele parecia
qualquer um no meio de tantos outros de ternos negros, gravatas e camisas
claras. Achei que o meu amigo devia diferenciar com meias esportivas e tênis
camurçado. Pelo menos eu enxergaria um tanto da irreverência dele no passado e
diria: “É realmente o meu amigo da faculdade”.
Que coisa estranha! As pessoas mudam e os ratos
também. Antes o bichinho roia a roupa do rei. Agora detona só o improvisado do
casal que dorme sob o viaduto. O terno do meu amigo da faculdade nem cheiro de
naftalina tem. Ele, que no passado morava numa casa de madeira da vila, agora é
condômino em um apartamento requintado de bairro onde até catador de papel tem
medo de entrar. Podem confundi-lo com um larápio, tamanha é a simplicidade
daquele senhor.
Já o casamento que fui foi um desfile. Fui de
padrinho, com calças jeans, camiseta e um terno social para fazer de conta que
eu apadrinhava com esporte fino. Não enganei ninguém. Todos repararam que nos pés
eu usava uma bota. Ainda bem que o cano escondeu o furado das meia. Mas senti, lá
pela metade da cerimônia, que essas meias desciam e ajuntavam no meio das
solas, formando um monte que me impedia ficar de pé.
Demorou muito para eu descobrir a causa. As botas são
justas e as meias são de algodão. Comprei-as numa promoção. Um pacote com seis
pares por nove e noventa e nove. Deu no que deu. Na troca de alianças tentei
disfarçar. Botei a mão no cano da bota e cacei as bordas da dita. Que nada!
Elas já estavam no calcanhar.
Então cochichei para a esposa, metida num longo
preto, também improvisado dos joelhos para baixo: “Tô pisando nos canos das
meias...” Ela olhou para o chão e nada disse. Tive que insistir: “Os canos das
meios formaram uma bola na sola do pé”. E ela, indignada, resmungou que depois
da oração de encerramento pediria ao padre uma benção para expulsar a coisa
ruim que me fazia delirar.
Casamento é assim. Fiquei preocupado com os ratos da
cozinha do salão comunitário. Lá de longe eu vi, na hora que as damas de honra
entravam, a cabecinha de um deles espiando do vão sob a cortina. O dono da
empresa contratada para o coquetel gritou: “Tira essa cabecinha da vista”.
Assustou o marido da comadre da tia da noiva, que
estava de brincadeira com uma mocinha. Ele olhou para a vista da calça e se
acalmou. O rato dele estava agitado, mas de cabecinha escondida.
Problema sério. Rato de agora não rói a roupa do
rei. O rato é o rei e destrói a vestimenta da mulher que dorme num quarto
modesto da favela. E os canos das minhas meias já estão nas pontas dos pés. Que
coisa!
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