segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Crônica - Ah, a solidariedade...


Dependesse de Rita os atos de caridade ocorreriam sem protocolo. Para ela, a alma de quem é fraterno enxerga a realidade de quem precisa e sente que a entrega é merecida. Isso vem de anos. Quando menina esta mulher que hoje beira os cinquenta via seus pais guardando economias durante o ano todo para retribuir aos mais necessitados o que eles haviam ajuntado no período.

A matemática dos velhos era bastante simples: deu para o casal, os cinco filhos e quatro netos comerem o necessários durante doze meses. Não faltou para o medicamento, quando preciso. Todos estão devidamente vestidos e se não há luxo também nada resta que motive reclamação. O carro é o ideal para ir e vir e os eletrodomésticos não carecem de substituições. A vida é simples e sem exageros, mas bastante confortável à família.

Então o casal pensava naqueles que haviam enfrentado infortúnios por causa de um desemprego, um acidente ou uma doença. Para estes destinavam o que possível, fossem eles parentes, vizinhos ou conhecidos. Uma cesta com alimentos básicos, um jogo de lençol, peças de roupas para as crianças e nada mais. Na lista entravam somente as coisas necessárias.

Na véspera do Natal o velho Corcel saia de casa abarrotado de pacotes. Pai e mãe iniciavam uma peregrinação para distribuir os donativos que começava de manhãzinha e ia até o meio da tarde, quando retornavam para o preparo da ceia.

Nunca os velhos gastaram créditos do telefone para ligar aos programas de caridade da televisão ou do rádio. Aliás, no antigamente nem telefone havia em casa e a televisão ainda não havia descoberto que intermediar doações dava audiência e enriquecia quem faz papel de intermediário. Como sempre, intermediários ganham e muito.

Para explicar isso Rita recorre aos programas de ajuda de hoje, estes que pedem para as pessoas fazerem doações de dinheiro pelo telefone. Ganham financeiramente com esta prática as operadoras de telefone, as emissoras, os artistas que participam em troca de cachê e os anunciantes. E o doador entra na história e sai dela como um anônimo que só serve para patrocinar boas intenções de alheios. E que boa intenção...

É mais ou menos o que acontece com as entidades que colocam voluntários nas portas dos supermercados para ajudar os pobres. Para Rita, é um oportunismo engraçado este de dar esmola com dinheiro dos outros para ficar com fama de bonzinho.

Então Rita recorreu à igreja. Pensou que seria diferente. Campanha de lá, campanha de cá e ela está decepcionada. É, da mesma forma, gente intermediando ajuda. E no fim das contas o grupo de intermediários é o que menos dá socorro e mais aparece. E nem sempre as pessoas mais necessitadas são auxiliadas.

Rita decidiu que vai voltar ao antigamente. Como fazia seus pais. Ela diz que além de haver mais justiça a doação feita com os olhos e a alma eliminam a cegueira: “Tem tanta gente que ajuda os outros pela televisão e não enxerga um vizinho ou um parente que está em situação pior”, finaliza.  


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