Entre a vertigem e o êxtase Luciana prefere os pés
no chão. Escolha certa para quem vive no
aperto e na correria e depende da consciência plena para dar conta dos
compromissos. Inclusive os financeiros,
estes que mais incomodam e tiram o sono.
O Natal está aí, escancarado nas portas das lojas em
decorações vermelhas e verdes e apelativo nos supermercados em panetones que variam
de três e noventa e nove a vinte e poucos reais. De repente Luciana se toca que
até o panetone faz distinção entre pobres, remediados, mais ou menos ricos,
emergentes e milionários.
Pouca diferença há no sabor do mais caro em relação
ao que tem preço de promoção. A marca e a embalagem é que fazem um ser possível
a todos e outros serem acessíveis para menos. Panetones, aliás, são presentes
de Natal que uns e outros recebem.
A prática diz a Luciana que se uma amiga der a ela
um panetone junto com um cartão de boas festas, significa que a pessoa que presenteou
a coloca num nível inferior de amizade. É mais ou menos amiga.
Não que a pretensão fosse de um presente caro. Uma
rosa, às vezes, tem muito mais valor sentimental. E as flores roubadas de
canteiros alheios, estas são muito valiosas. Exigiram, no mínimo, determinação
e ousadia para serem pegas.
É daí que Luciana, há três anos, decidiu que não
mais presenteia com panetones, vinhos e espumantes de quatro e noventa e nove a
garrafa. Certa vez ela flagrou no banheiro da empresa uma colega se queixando
de ter recebido um vinho que não servia nem para fazer sagu. Imagina se fizesse
um ponche com aquilo.
Então Luciana fincou pé. Desde então deixou de
presentear por presentear. Para algumas pessoas nem cartão envia, pois quem
recebe sente-se na obrigação de retribuir. Ou, na definição exata, retribui por
obrigação.
Luciana, agora, só presenteia quem ela acha que
merece ser presenteada. Entram os dois filhos, o marido, a mãe viúva, duas das
cinco irmãs, uma cunhada e três vizinhas. Ninguém mais. Ainda assim a lista é
grande.
Com um holerite de um salário mínimo e meio, Luciana
reserva metade do décimo-terceiro para os presentes. Ela quase entra naquela
pesquisa marota da entidade que representa os comerciantes de Londrina, cuja
conclusão é de que a maioria dos consumidores pretende gastar cerca de
quatrocentos reais em presentes.
Quase. Falta um tantinho que Luciana não pode
transferir da conta de compromissos assumidos para a conta de presentes. Desde
o início de novembro ela pesquisa as opções e os gostos de cada presenteado.
Disso se tem que fora os meninos, cujas pretensões
são muito acima da capacidade da mãe, as outras pessoas que receberem presentes
de Luciana desembrulharão seus pacotes com muita felicidade. Mesmo que os
objetos embrulhados tenham custado muito pouco, elas saberão que alguém comprou
algo pensando na alegria de quem recebe. O panetone pode ser barato e tem
conteúdo saboroso. Mas da forma que o comércio e as pessoas o usa, torna-se
apenas uma simples lembrança para não passar em branco.
Luciana sabe bem disso. Então que cada um compre o
seu próprio panetone e espumante. Ela vai presentear com o seu coração somente
as pessoas que merecem ser lembradas. Aliás, presentear com panetone, vinho e espumante no Natal é o mesmo que dar um par de meias sociais ao pai no dia do aniversário dele.
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