Bem que podia ter origem orgânica. A tal da serotonina,
por exemplo, causaria mais alívio do que pânico. Em consultas de comadres,
dessas que são feitas nas filas dos caixas dos supermercados, alguém disse que se
a serotonina vai mal a vida vira um saco. Mau humor, falta de sono, coração
descompassado, dores e meleca na capacidade de pensar fazem da vítima um
traste.
O problema de Arnaldo é a insônia. Ele já tentou
contar carneirinhos e na terça passada já estava no animal de número dois
milhões e quinhentos e setenta e um mil pulando a cerquinha de madeira.
Ultimamente, depois de contar os bichinhos, Arnaldo se põe a classificar o
comprimento dos roncos da mulher. Usa o cronômetro do telefone celular e
conseguiu registrar dois recordes: o mais longo mediu quatro segundos e o mais
alto fez a vizinha do apartamento ao lado bater na parede.
Fosse
serotonina o debilitado se conformaria só pelo fato da causa estar longe de um
problema psiquiátrico. Para Arnaldo, psiquiatra é médico de louco. A cabecinha
dele foi sempre pequena e merece desconto em casos extremos e pouco menos. Ele
até andou pesquisando no Google. Descobriu que a serotonina é um
neurotransmissor. Arnaldo nem sabe que bicho é esse, mas leu que ele está no
cérebro e manda no humor, no sono, no apetite, no ritmo do coração, na temperatura
do corpo, na sensibilidade à dor, nos movimentos e nas funções intelectuais.
Credo, que trecos são esses? Funções intelectuais
tem a ver com o curso de formação política que Arnaldo frequentou por
determinação do partido? E sensibilidade a dor? Arnaldo ainda é dos que
castigam os filhos com tapas. Quanto mais forte a mancha vermelha na pele é
maior. O ritmo do coração deve ser música de apaixonados e de cornos. Humor são
aqueles programas sem graça da rede globo. Apetite, este sim. Arnaldo come que
nem boi. E a temperatura do corpo nunca variou. Ao longo dos quase cinquenta
anos Arnaldo sempre andou em casa sem camisa com a temperatura acima dos
dezoito graus. Mas sono?
O açougueiro na semana passada sarrou. Disse
debochado e na cara dura para Arnaldo que só não consegue dormir quem está
ficando louco. E ainda por cima ironizou pesado: “Eu, se tivesse mulher que nem
a mulatinha vizinha não dormia mesmo. Ficava a madrugada toda lá. Mas com a
parceira que eu tenho na cama trato de pregar os olhos rapidinho. Aquilo dá uns
cento e vinte quilos. Ainda assim é mais magra que a sua patroa”.
Louco, Arnaldo? Só se deu circuito nesse
neurotransmissor. Ou secou a bateria dele. Arriou e não dá carga. É igual carro
velho gaguejando na virada da chave na partida. A primeira range, a segunda
tosse e a terceira se cala para sempre. Bem quem podia ser a seratonina.
Arnaldo tem medo de ir ao médico de cabeça. Vai que o sujeito descobre o seu
segredo.
Ele, na verdade, já sabe a causa da sua insônia.
Apenas não a assume. Arnaldo mente, maltrata, despreza, ignora, escanteia e
bate. Nunca assume seus erros. Pelo contrário, trata sempre de achar culpados
entre parentes, amigos, colegas de trabalho, partidários e convivas de outros
círculos. Arnaldo falta com a ética e faz questão de mostrar um caráter pobre e
em ruínas.
Antes Arnaldo nem se ligava do que fazia. De uns
tempos para cá a coisa mudou. Quando põe a cabeça no travesseiro e fecha os
olhos passam as imagens de pessoas decepcionadas, tristes, revoltadas, sofridas
e enganadas. E não adianta contar carneiros e roncos. As expressões das pessoas
tomam a frente. Arnaldo ainda é político brasileiro. Pelo menos até que o
psiquiatra o leve para o manicômio.
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