sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Crônica - Insônia


Bem que podia ter origem orgânica. A tal da serotonina, por exemplo, causaria mais alívio do que pânico. Em consultas de comadres, dessas que são feitas nas filas dos caixas dos supermercados, alguém disse que se a serotonina vai mal a vida vira um saco. Mau humor, falta de sono, coração descompassado, dores e meleca na capacidade de pensar fazem da vítima um traste.

O problema de Arnaldo é a insônia. Ele já tentou contar carneirinhos e na terça passada já estava no animal de número dois milhões e quinhentos e setenta e um mil pulando a cerquinha de madeira. Ultimamente, depois de contar os bichinhos, Arnaldo se põe a classificar o comprimento dos roncos da mulher. Usa o cronômetro do telefone celular e conseguiu registrar dois recordes: o mais longo mediu quatro segundos e o mais alto fez a vizinha do apartamento ao lado bater na parede.

Fosse serotonina o debilitado se conformaria só pelo fato da causa estar longe de um problema psiquiátrico. Para Arnaldo, psiquiatra é médico de louco. A cabecinha dele foi sempre pequena e merece desconto em casos extremos e pouco menos. Ele até andou pesquisando no Google. Descobriu que a serotonina é um neurotransmissor. Arnaldo nem sabe que bicho é esse, mas leu que ele está no cérebro e manda no humor, no sono, no apetite, no ritmo do coração, na temperatura do corpo, na sensibilidade à dor, nos movimentos e nas funções intelectuais.

Credo, que trecos são esses? Funções intelectuais tem a ver com o curso de formação política que Arnaldo frequentou por determinação do partido? E sensibilidade a dor? Arnaldo ainda é dos que castigam os filhos com tapas. Quanto mais forte a mancha vermelha na pele é maior. O ritmo do coração deve ser música de apaixonados e de cornos. Humor são aqueles programas sem graça da rede globo. Apetite, este sim. Arnaldo come que nem boi. E a temperatura do corpo nunca variou. Ao longo dos quase cinquenta anos Arnaldo sempre andou em casa sem camisa com a temperatura acima dos dezoito graus. Mas sono?

O açougueiro na semana passada sarrou. Disse debochado e na cara dura para Arnaldo que só não consegue dormir quem está ficando louco. E ainda por cima ironizou pesado: “Eu, se tivesse mulher que nem a mulatinha vizinha não dormia mesmo. Ficava a madrugada toda lá. Mas com a parceira que eu tenho na cama trato de pregar os olhos rapidinho. Aquilo dá uns cento e vinte quilos. Ainda assim é mais magra que a sua patroa”.

Louco, Arnaldo? Só se deu circuito nesse neurotransmissor. Ou secou a bateria dele. Arriou e não dá carga. É igual carro velho gaguejando na virada da chave na partida. A primeira range, a segunda tosse e a terceira se cala para sempre. Bem quem podia ser a seratonina. Arnaldo tem medo de ir ao médico de cabeça. Vai que o sujeito descobre o seu segredo.

Ele, na verdade, já sabe a causa da sua insônia. Apenas não a assume. Arnaldo mente, maltrata, despreza, ignora, escanteia e bate. Nunca assume seus erros. Pelo contrário, trata sempre de achar culpados entre parentes, amigos, colegas de trabalho, partidários e convivas de outros círculos. Arnaldo falta com a ética e faz questão de mostrar um caráter pobre e em ruínas.

Antes Arnaldo nem se ligava do que fazia. De uns tempos para cá a coisa mudou. Quando põe a cabeça no travesseiro e fecha os olhos passam as imagens de pessoas decepcionadas, tristes, revoltadas, sofridas e enganadas. E não adianta contar carneiros e roncos. As expressões das pessoas tomam a frente. Arnaldo ainda é político brasileiro. Pelo menos até que o psiquiatra o leve para o manicômio.



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