terça-feira, 20 de novembro de 2012

Crônica - Calos e bolhas


Calos incomodam. Na devida proporção causam medo tanto quanto a bolha do crédito imobiliário que estourou nos Estados Unidos em 2008. O rompimento põe para fora o líquido transparente que mantinha o calo volumoso e consistente. A sensação que dá é da perda de alguns miligramas de peso na balança que controla a dieta alimentar. É de onde vem o alívio.

Já tive muitos calos. No calcanhar, na planta do pé, na base do indicador da mão direita por culpa de uma tesoura sem corte, no peito do dedão do pé esquerdo e algumas vezes nos olhos da cara. Entendido? Aliás, aquilo foi terçol, se bem que eu não me lembre de ter negado algo a mulheres grávidas antes de acordar com as pálpebras inchadas.

Hoje estou menos calejado. Faz tempo não compro um par de sapatos novos. E quando acontece, normalmente o número é dois pontos acima por pura precaução. A idade avança, a gente anda e os pés incham. O último que eu tive foi bem na dobra do pé direito, acima do calcanhar, onde a borda traseira do sapato faz pressão.

Que dor. Que tortura. Foi no casamento de Antonieta que o bichinho apareceu. Ela é neta da Raimunda, aquela de quem aluguei parede e meia quando morei sozinho longe da família por motivo profissional. Eram sapatos de amarrar que eu havia comprado seis meses antes, como reserva. O vendedor jurou que os lustrosos vinham em couro legítimo, mas só no primeiro uso, justo no enlace da Antonieta, descobri que aquilo não passava de corvim grosso e duro.

Eu lembro que quando o padre falou ao casal da alegria e da tristeza soltei um gemido. O calo ardia e me obrigava a por o peso do corpo sobre o outro pé, o esquerdo, para aliviar a pressão. O direito, com a bolha doendo, ficava quase no ar. E nada do padre mandar a turma sentar. Troca aliança dali, fotografia daqui, beijinho por ali e o efeito psicológico fez a ardência do calo e o tempo da cerimônia triplicarem.

Da igreja até o salão de festas, onde serviram refrigerante e pão com carne moída antes do bolo, o bichinho estourou. Uivei tanto que um primo-irmão da noiva chegou aos meus ouvidos e pediu para eu moderar. Disse que nem o noivo eu era e, portanto, segurasse a barra: “Parece até que você está ejaculando!” Foi o último comentário que fez antes de se afastar com cara de reprovação.

Ao chegar em casa catei um tesourão de cortar galhos e abaixei a borda do sapato.Ficou feio, mas nunca mais deu calo. Hoje eu tenho bolhas. Isso eu tenho. Aproveitei os incentivos da Dilma e do Mantega e financiei um carro zero com IPI reduzido, um fogão, uma geladeira e outras coisas que nem uso, mas são da linha branca e gozam do benefício do governo federal.

Astolfo, amigo meu que estudou economia em curso à distância, já disse que se eu deixar de pagar e virar inadimplente vou contribuir para aumentar o tamanho da bolha do IPI reduzido. Pago para ver? Ou vejo sem pagar?

Ah, no momento uso um par de tênis de pano. Imita bem as marcas conceituadas e caras. Não pega no calcanhar e mesmo dois números acima não jogam os pés para a frente quando se vai numa descida. É recomendável, porém, cortar as unhas dos pés, principalmente as dos dedões, bem rentes.  


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