Construir o amor e dali o relacionamento. Jamais
Silmara havia pensado nisso. Entre a tese e a prática ela é uma pessoa que
prefere o acontecimento. E o amor até o momento foi resultado da ação e da
reação.
Nem sempre, porém, os resultados foram exatos.
Sentimento não é matemática e está sujeito a equívocos nada parecidos com uma
multiplicação errada. A tabuada do coração é muito diferente e não se decora.
Mas, no fim das contas o fechamento do balanço deu
de equilibrado a positivo. O saldo negativo, às vezes, é tão pertinente quanto
as sobras. E pode-se puxar o relatório com lascas decepadas da paixão tanto
quanto o desenho de um coração cravejado de pedras preciosas.
O problema é o tempo. Os dias passam e quanto mais
as raízes dos cabelos exigem retoques as dúvidas aumentam. A idéia antes
desprezada de armar uma plataforma e transformá-la em porto seguro começa
ironicamente a atormentar. Feito uma gargalhada estridente ferindo tímpanos e
entrando na alma.
Silmara, na verdade, está cansada de eventos. Casos
são deformáveis e derretem como gelo. Onde o sol bate mais forte a imperfeição
da forma é mais presente e tudo aquilo que se esperava escapa pelos dedos, feito
um líquido impossível de ser retido nas mãos.
Foi assim com Alberto. O relacionamento instável
acentuava mais nuvens do que estrelas. Havia momentos de entrega plena.
Quantos, porém, renderam fotos jogadas na tela do monitor? A falta de posse de
ambas as partes provocou ciúmes. Era impossível prever o amanhã quando ambos, da
boca para fora, prometiam liberdade para o outro e no exercício da vida a dois
exigiam tutela.
Tese e fato. Essa distância se repetiu com mais
dois. Um deles, casado, discursava um dia se separar. Silmara, naquele evento,
intimamente torcia para que ele continuasse com matriz. Filias costumam ser
tratadas com mais respeito, assim pensava ela. Além disso a vida conjugal do
amante permitia a Silmara viver além dos limites de um quarto de hotel.
Ir ao shopping sozinha e sentir-se valorizada ao
receber um elogio masculino, sem ter que se vigiar, causava bem-estar. E quem
não gosta de uma escapadinha leve, mesmo que a saída seja apenas um suco na
mesa de uma lanchonete? Verbos bem conjugados podem, enfim, provocar sensações
valorosas e inesquecíveis.
Sim, porque atos prazerosos correm o risco de
durarem muito pouco. O terceiro companheiro de Silmara é prova disso. Bom na
prática e no formato, mas sem recheio, ele desmanchou por si mesmo o desenho de
um parceiro ideal. Deixou como lembrança apenas os gemidos fortes e
incontroláveis dos bons momentos.
E agora? Seria o pretendido um pretendente? Silmara
e Rodrigo, um ex-colega da faculdade, andam de insinuações. Ele prefere as
ciências exatas: uma cena de amor que é mais sexo hoje, um jantar na semana que
vem em data e horário pré-definidos, uma viagem rápida no mês que vem
aproveitando sobra de tempo do compromisso profissional longe de casa. Ela
entrou nas nuvens e quer um vôo que saia de um lugar e chegue a outro, com a
certeza do desembarque.
Rodrigo é a Silmara do passado. Silmara é o resgate
daquilo que disseram seus pais: agora e para sempre. E os cabelos brancos pedem
retoques de tintura nas raízes com mais frequência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
PARTICIPE: