quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Conto - Transformação


Construir o amor e dali o relacionamento. Jamais Silmara havia pensado nisso. Entre a tese e a prática ela é uma pessoa que prefere o acontecimento. E o amor até o momento foi resultado da ação e da reação.
Nem sempre, porém, os resultados foram exatos. Sentimento não é matemática e está sujeito a equívocos nada parecidos com uma multiplicação errada. A tabuada do coração é muito diferente e não se decora.

Mas, no fim das contas o fechamento do balanço deu de equilibrado a positivo. O saldo negativo, às vezes, é tão pertinente quanto as sobras. E pode-se puxar o relatório com lascas decepadas da paixão tanto quanto o desenho de um coração cravejado de pedras preciosas.

O problema é o tempo. Os dias passam e quanto mais as raízes dos cabelos exigem retoques as dúvidas aumentam. A idéia antes desprezada de armar uma plataforma e transformá-la em porto seguro começa ironicamente a atormentar. Feito uma gargalhada estridente ferindo tímpanos e entrando na alma.

Silmara, na verdade, está cansada de eventos. Casos são deformáveis e derretem como gelo. Onde o sol bate mais forte a imperfeição da forma é mais presente e tudo aquilo que se esperava escapa pelos dedos, feito um líquido impossível de ser retido nas mãos.

Foi assim com Alberto. O relacionamento instável acentuava mais nuvens do que estrelas. Havia momentos de entrega plena. Quantos, porém, renderam fotos jogadas na tela do monitor? A falta de posse de ambas as partes provocou ciúmes. Era impossível prever o amanhã quando ambos, da boca para fora, prometiam liberdade para o outro e no exercício da vida a dois exigiam tutela.

Tese e fato. Essa distância se repetiu com mais dois. Um deles, casado, discursava um dia se separar. Silmara, naquele evento, intimamente torcia para que ele continuasse com matriz. Filias costumam ser tratadas com mais respeito, assim pensava ela. Além disso a vida conjugal do amante permitia a Silmara viver além dos limites de um quarto de hotel.

Ir ao shopping sozinha e sentir-se valorizada ao receber um elogio masculino, sem ter que se vigiar, causava bem-estar. E quem não gosta de uma escapadinha leve, mesmo que a saída seja apenas um suco na mesa de uma lanchonete? Verbos bem conjugados podem, enfim, provocar sensações valorosas e inesquecíveis.

Sim, porque atos prazerosos correm o risco de durarem muito pouco. O terceiro companheiro de Silmara é prova disso. Bom na prática e no formato, mas sem recheio, ele desmanchou por si mesmo o desenho de um parceiro ideal. Deixou como lembrança apenas os gemidos fortes e incontroláveis dos bons momentos.

E agora? Seria o pretendido um pretendente? Silmara e Rodrigo, um ex-colega da faculdade, andam de insinuações. Ele prefere as ciências exatas: uma cena de amor que é mais sexo hoje, um jantar na semana que vem em data e horário pré-definidos, uma viagem rápida no mês que vem aproveitando sobra de tempo do compromisso profissional longe de casa. Ela entrou nas nuvens e quer um vôo que saia de um lugar e chegue a outro, com a certeza do desembarque.

Rodrigo é a Silmara do passado. Silmara é o resgate daquilo que disseram seus pais: agora e para sempre. E os cabelos brancos pedem retoques de tintura nas raízes com mais frequência. 


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