terça-feira, 9 de outubro de 2012

Crônica - Versões e distorções


Nilzete está de sobrepeso. Mas não é sobrepeso de gordura moldando a blusa de malha de um jeito escandalosamente denunciador. Pneus sempre saltaram do cós das calças apertadas e já houve quem dissesse que aquilo dava charme.

Ela duvida. Até os quatorze Nilzete se vestia ainda adolescente e nem reparava no ponteiro da balança da farmácia. Aos quinze decidiu emagrecer por culpa de uma colega de escola, da mesma idade, tida como a bonitinha da sala de aula. Meninos faziam fila na saída para cortejar a beldade.

Valeu o esforço. Em menos de dois meses Nilzete perdeu quatro quilos. Ficou um palito e a cara murchou. Os beiços ficaram mais salientes tamanho foi o vazio que o rosto sofreu. E os olhos saltaram, graúdos, negros e fixos nos meninos em idade de namoro.

Seguiu dentro do peso até os vinte e três. Depois começaram as variações para cima e para baixo. Perde hoje, ganha amanhã. Nos finais de semana a sobremesa assustava. A segunda e a terça tornaram-se dias de pouca comida.

Aos vinte e oito, já com dois filhos, um nos braços e outro puxando a saia da mãe, Nilzete começou a perceber os pneus. Certa vez imaginou que se tivesse um carro, que fosse um fusca, não ficaria a pé no caso de um prego furar alguma redonda.

Brincadeira sem graça que ela nem com as amigas repartiu. Engoliu para si mesma e tomou aquilo como um ponto de partida para recomeçar tudo, como fez aos quatorze. Em vez de perder, porém, ganhou mais peso. O rostinho chupado voltou a ser rechonchudo.

O sobrepeso de agora está nos oitenta e poucos quilos. As calças são compradas seis números maiores em relação à altura de Nilzete. Cortando as barras dá para confeccionar uma saia para a filha já moça. Na última compra Nilzete doou para a vizinha o pedaço de pano que sobrou e com aquilo foi feito um bermudão para o adolescente da amiga. Com bolso e tudo.

Este sobrepeso, se dobra a estima de Nilzete, não é tanto assim de fazê-la ficar vergada e cabisbaixa. Ela já está acostumada com a gordura. E o marido faz tempo não reclama. Lá pelas onze da noite eles e deita e ronca feito uma motocicleta com a injeção eletrônica engasgando.

O sobrepeso de agora é outro. As eleições foram para o segundo turno e Nilzete não tem entre os dois que disputam a prefeitura da cidade o candidato que ela quer ver prefeito. Disseram a Nilzete que a democracia é igual um campeonato. No caso do segundo turno existe a fase de classificação e a final. Assim, os dois que sobram é porque marcaram mais gols. E são os potenciais donos da vaga.

Mentira. Democracia é uma vida. E se os dois que restaram não prestam? A democracia manda Nilzete votar num deles? Não seria inconsequente escolher alguém em quem não se confia? Nilzete desconfia de teses e versões. A propaganda massifica distorções. Nilzete quer e não quer as regras. Nilzete odeia imposições. Nilzete está prestes a chutar o balde. Mas a propaganda é forte e destrói conceitos de palavras como democracia. Então ela arqueja, preocupada consigo e com os seus. Ela suspeita que em ambos os casos vai dar mensalão.


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