Nilzete está de sobrepeso. Mas não é sobrepeso de
gordura moldando a blusa de malha de um jeito escandalosamente denunciador.
Pneus sempre saltaram do cós das calças apertadas e já houve quem dissesse que
aquilo dava charme.
Ela duvida. Até os quatorze Nilzete se vestia ainda
adolescente e nem reparava no ponteiro da balança da farmácia. Aos quinze
decidiu emagrecer por culpa de uma colega de escola, da mesma idade, tida como
a bonitinha da sala de aula. Meninos faziam fila na saída para cortejar a
beldade.
Valeu o esforço. Em menos de dois meses Nilzete
perdeu quatro quilos. Ficou um palito e a cara murchou. Os beiços ficaram mais
salientes tamanho foi o vazio que o rosto sofreu. E os olhos saltaram, graúdos,
negros e fixos nos meninos em idade de namoro.
Seguiu dentro do peso até os vinte e três. Depois
começaram as variações para cima e para baixo. Perde hoje, ganha amanhã. Nos
finais de semana a sobremesa assustava. A segunda e a terça tornaram-se dias de
pouca comida.
Aos vinte e oito, já com dois filhos, um nos braços
e outro puxando a saia da mãe, Nilzete começou a perceber os pneus. Certa vez
imaginou que se tivesse um carro, que fosse um fusca, não ficaria a pé no caso
de um prego furar alguma redonda.
Brincadeira sem graça que ela nem com as amigas
repartiu. Engoliu para si mesma e tomou aquilo como um ponto de partida para
recomeçar tudo, como fez aos quatorze. Em vez de perder, porém, ganhou mais
peso. O rostinho chupado voltou a ser rechonchudo.
O sobrepeso de agora está nos oitenta e poucos
quilos. As calças são compradas seis números maiores em relação à altura de
Nilzete. Cortando as barras dá para confeccionar uma saia para a filha já moça.
Na última compra Nilzete doou para a vizinha o pedaço de pano que sobrou e com
aquilo foi feito um bermudão para o adolescente da amiga. Com bolso e tudo.
Este sobrepeso, se dobra a estima de Nilzete, não é
tanto assim de fazê-la ficar vergada e cabisbaixa. Ela já está acostumada com a
gordura. E o marido faz tempo não reclama. Lá pelas onze da noite eles e deita
e ronca feito uma motocicleta com a injeção eletrônica engasgando.
O sobrepeso de agora é outro. As eleições foram para
o segundo turno e Nilzete não tem entre os dois que disputam a prefeitura da
cidade o candidato que ela quer ver prefeito. Disseram a Nilzete que a democracia
é igual um campeonato. No caso do segundo turno existe a fase de classificação
e a final. Assim, os dois que sobram é porque marcaram mais gols. E são os
potenciais donos da vaga.
Mentira. Democracia é uma vida. E se os dois que restaram
não prestam? A democracia manda Nilzete votar num deles? Não seria
inconsequente escolher alguém em quem não se confia? Nilzete desconfia de teses
e versões. A propaganda massifica distorções. Nilzete quer e não quer as regras.
Nilzete odeia imposições. Nilzete está prestes a chutar o balde. Mas a
propaganda é forte e destrói conceitos de palavras como democracia. Então ela
arqueja, preocupada consigo e com os seus. Ela suspeita que em ambos os casos
vai dar mensalão.
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