segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Crônica - Meu voto ideológico


Passou a febre. Estava em trinta e nove e desceu dois pontos. Mas ainda sinto calafrios. Mamãe dizia que quando ela vem por dentro essa sensação perdura às vezes de um dia a outro. É mais ou menos o que acontece quando dá dor de ouvido.

Uma pontada aguda faz a gente parecer que tem tiques: a cabeça estremece e o rosto vira para o lado, ao mesmo tempo em que os lábios ficam contorcidos e as rugas marcam sucos fortes na testa.
Eu já me vi no espelho durante uma crise de dor de ouvido. Fiquei assustado com o que apareceu diante de mim. E os olhos já esbugalhados tornaram-se terríveis. Que cena!

A pressão também baixou, por isso descuido no sal. A calmaria tem um motivo mais ou menos razoável. É tudo porque ontem, sete de outubro de dois mil e doze, votei. Acreditem. Foi, de fato, o voto mais ideológico que apertei no botão verde da urna eletrônica nestes últimos tempos. Eu tanto queria dizer: foi o voto mais ideológico que depositei na urna...

Então devolveram o meu título de eleitor e o documento com foto. Eu tinha um sorriso de contentamento que impressionou a mesária, uma senhora lá dos seus cinquenta e tantos anos que demorou meia vida para achar o meu nome na lista do tribunal eleitoral.

“É com dáblio, senhora. É com dáblio.” E ela em outra letra me procurando. Em contrapartida, foi-me a senhora muito simpática na saída: “O senhor está com este sorriso leve no rosto por ter praticado a democracia?”

Em outra circunstância eu diria que só tenho sorriso no rosto. Os sucos que tenho na barriga são gorduras que se destacam quando sento. Quanto à democracia! É melhor não responder nada.

Em outra ocasião eu abriria um discurso profundo e diria que o voto é o caco da democracia, pois votando estamos apenas escolhendo os nossos representantes políticos. Depois é que vem o duro do ofício de ser cidadão: fiscalizar, denunciar quando preciso, exigir postura, procedimento, caráter, ética, moral e personalidade.

Ah, e conhecimento. Um candidato a vereador colocou entre suas propostas que se eleito defenderia os projetos de interesse da coletividade. E se não fosse assim, que outros interesses ele defenderia? Outro propôs uma política para os animais da cidade.

Medi o tamanho da cabeça dele para ter uma idéia da quantidade de massa cinzenta dentro daquilo. Conclui que pela pequeneza de conteúdo no lado do cérebro que comanda a inteligência, o que ele propunha era uma câmara de vereadores para cães, outra para gatos, uma maior para os equinos e os frigoríficos para bois, frangos e suínos. Descartei a possibilidade de ele frequentar restaurantes exóticos para comer torresmo de casca de cágado. Ele não tem glamour para isso.

Por isso meu voto foi ideológico. Votei em quem ainda sabe o que é ideologia no contexto partidário e, enfim, na formulação de uma proposta de trabalho mesmo que o documento tenha fim exclusivamente eleitoreiro.

O meu voto ideológico foi para o menos votado. Mas estou consciente e em paz com a minha consciência. E dormi feito um anjo. Que madrugada recompensadora eu tive!


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