- Papai está desapontado com você, filho. Muito desapontado.
Eu dei para você a máquina que tive como brinquedo durante muitos anos e você
não sabe como funcioná-la? É decepcionante, filho.
- Mas, papai, eu tenho outros brinquedos. Eu gosto de
disputar corrida de carro, gosto de viajar de jatinho e de helicóptero, gosto
de comer em bons restaurantes e gosto muito daquilo, sabe?
- Filho, a máquina é um brinquedo importante. Se você não
gosta de brincar com ela não devia ter aceitado. Deixasse a máquina para outros.
- Eu não disse que a máquina é desimportante, pai. A máquina
é, sim, muito importante para mim. Com ela eu viajo de jatinho, vou daqui até
logo ali de helicóptero, invento uma desculpa e vou participar de uma corrida
de carro, janto onde eu quero e faço aquilo, sabe?
- Então você só aceitou a máquina que eu te dei de presente
para intermediar outras brincadeiras? Assim você me assusta, filho? Fico mais
triste ainda...
- Pai! Veja que eu com a máquina estou fazendo o povo
lembrar de você. E olha que faz tanto tempo não falavam nada de você. Agora
vivem comentando que eu sou seu filho.
- Pois é, filho. É que você sempre se afasta quando as
pessoas que fazem o comentário vão complementar a conversa. Elas dizem, de um
jeito irônico, que você só se parece comigo no formato do nariz. O resto é
diferente...
- Isso não é verdade, pai. Dizem também que o meu rosto é
igual ao seu. Que eu lembro muito você.
- Filho, veja você saindo da conversa de novo antes do
assunto ser fechado. As pessoas dizem, depois que você se afasta, que a maior
diferença entre nós está no que você tem dentro da cabeça. E eu, aqui de cima,
não tenho condições de contestar estas pessoas.
- Pai, se eu me afasto antes das conversas chegarem ao fim é
porque estas pessoas são povinhos. Um monte de gente ignorante. Outro dia
encheram o meu saco porque não tinha ciclovia num lugar lá de não sei onde. E
eu por acaso ando de bicicleta? E se estão pensando que algum dia eu vou voltar
naquele lugar estão delirando. Eu heim...
- Isso eu tenho reparado, filho. Eu ensinei você a dar as
primeiras pedaladas. Hoje nem no guidão você pega. Sorte minha é que você não
usa o selim para outras coisas. Aquela ponta bicuda é um perigo.
- Pai, eu já disse que gosto de brincar de jatinho,
helicóptero e carro de corrida. Bicicleta, eu?
- Fico cada vez mais decepcionado, filho. E imaginar que fui
eu que fiz você...
- Não se decepcione, pai. Um dia desses eu vou brincar com a
sua máquina. Só preciso de um tempo, pai.
- A vida corre tanto quanto o carro de corrida que você
pilota com gosto. O tempo que você me pede está ficando para trás. Daqui a dois
anos você pode por a perder a máquina que eu coloquei nas suas mãos, filho.
- Que nada, pai. Daqui a dois anos eu brinco um pouquinho
aqui e outro tantinho ali. É o suficiente para eu não perder a máquina que você
me deu.
- Não confie assim. Tem que brincar todo dia com a máquina,
senão você a perde, meu filho.
- Pai, eu só preciso de um tempo. Vou continuar dormindo por
mais dois anos e nas próximas eleições eu conto uma história e o povinho
aceita. Te garanto que continuo com a máquina que você me deu. Agora, pai, sem
querer ser desrespeitoso com o senhor, deixar eu dormir. Daqui a dois anos eu começo a governar.
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