Perder o rumo. Sempre certinho, Joaquim sempre se
imaginou fora da linha. Coragem é que lhe faltava para pisões extras. Como se
andasse por calçadas revestidas de pisos milimetricamente assentados, o menino
seguia reto. Cabeça levantada, pernadas medidas, velocidade acima da média e
braços cadenciados. Sincronia em tudo, podia-se dizer.
Tanto que nunca os sapatos de cadarço foram condenados
por desgaste nas solas. Os pares ganhavam o descarte por envelhecimento.
Depois, na adolescência, as calças boca de sino se mantinham inteiras nas
barras. É que não havia aquele esfregar de pano debilitando o tecido. Jamais a
mãe de Joaquim teve que refazer costura ou tapar buraco com cerzido.
Jovem, o filho de dona Armênia fez questão de servir
no Tiro de Guerra. De tão disciplinado nunca pegou guarda. As botas brilhavam
que nem ouro preto e no exercício de limpeza da arma Joaquim conseguia arrancar
elogios do sargento. Não foi por menos que no sete de setembro o moço foi
escolhido para conduzir o pavilhão nacional.
O bom modo foi também receita básica do período de
namoro. Foram seis anos de procedimentos catalogados. Pegar nas mãos só depois
de três semanas. O primeiro abraço, na quinta semana, foi frio e formal.
Joaquim parecia o presidente do Senado recepcionando o embaixador do Alasca.
E beijo, não pinta nesta jogada? A pergunta era
feita para si mesma por Eneida, a futura consorte. Ela nunca se atreveu a
questionar o namorado sobre o sim ou não das travessuras de um casal jovem.
Ele, aliás, já havia antecipado: “Aquilo a gente só faz depois de casados”.
O noivado, que durou mais cinco anos, começou com
uma festa parecida com a do padroeiro: churrasco, bolo, cerveja para os
tarimbados e refrigerante para os que estavam no caminho. Um baile com música
de sanfona terminou cinco minutos antes da meia noite.
Então chegou finalmente o casamento, onze anos
depois, quando Joaquim já estava formado em contabilidade, tinha comprado um
carro e acabara de financiar uma casa. Havia planos de, muito em breve, comprar
uma casa na praia ou uma chácara.
Eneida já nem sabia que tipo de sentimento
predominava naquela relação. De comportamento um tanto mais adiante que o do
marido, ela se punha a refletir sobre eventos circunstanciais durante todo o
período de namoro e noivado. Admitia-se ter sido tentada. Por quatro ou cinco
vezes admiradores se manifestaram.
Um deles não sabia do comprometimento e quando soube
caiu fora. Outro conhecia a ambos e era maldoso. Propunha passeios e lanches
sorrateiros. Aquele outro vestia-se de amigo e tencionava seduzi-la com
elogios. E veio o cara de pau que travou intimidade e foi direto. Em pouco
tempo manifestou que o interesse era um caso e que ninguém precisava saber.
Eneida resistiu. Manteve-se virgem de carne, mas
tinha dúvidas da própria reputação quando o assunto era o “eu” que ela trazia
dentro de si. A vida conjugal seguiu enfadonha. Mas sobrava uma boa condição de
vida, com macarronada nos domingos, pizza sábado e carne todo os outros dias.
Ela imaginou ter se purificado. Nunca mais pensou em
extra, embora, já casada, sofresse assédios de açougueiros, cobradores de
ônibus, padeiros e até entregadores de supermercados. Ele pirou. Sem dizer nada
a ela, jogou para a cônjuge toda a culpa do marasmo conjugal.
E para desforra, está tendo um caso. Encontra-se
três vezes por semana com a alma gêmea. Joaquim tem um consolo. Namora
escondido um colega de trabalho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
PARTICIPE: