sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Conto - Ausências


Foi uma longa conversa! Falamos praticamente de tudo. Da reforma do apartamento, do calor insuportável, das atividades profissionais, das correrias rotineiras e das preocupações constantes com isso ou aquilo. Praticamente de tudo, é bom reforçar.

Certo. A troca de piso vai te custar tanto. A pintura ainda depende da escolha da cor e eu declino da necessidade de contratar um profissional para decidir. É você quem vai ocupar aquele cantinho do planeta para dormir, comer, banhar-se e fazer outras coisas numa pequena parcela do seu dia, pois o restante estará fora.

Então economize. Mande um branco ou uma tinta de tonalidade clara. Se enjoar contrate uma turma de educação infantil. Em uma semana suas paredes estarão tomadas de desenhos de flores, borboletas, passarinhos, luas, estrelas e árvores. Lá em cima, perto do gesso, haverá um sol, único, pintado de laranja. De quem será a obra de arte? Provavelmente a professora subiu na mesa para produzi-la.

E o parecer, pelo que percebo, está rascunhado. Não abuse e nem abra mão dos termos técnicos. Isso vai parar nas mãos de especialistas mais preocupados com a exatidão técnica do que com o conteúdo. Por favor, não despreze as vírgulas. A falta de algumas muda o sentido da frase.

Cuidado com o tratamento. Excelência será sempre excelência. Professor que é doutor exige ser chamado de professor-doutor. Enfim, escreva difícil, de forma que só você e os seus colegas de profissão saibam o que está escrito. Nunca opine e nem dê a entender. Seja direta.

No mais, sinto que exceto queixas triviais nada corre anormal. O calor do qual você se queixa eu também sinto. Sim, pode chover aqui. E onde você se encontra, há possibilidade de temporal. Então o clima é tão imprevisível para você quanto para mim.

Os filhos vão bem também. Idem novamente. Por aqui está na mesma situação. Tem sido corrido sim. Acordar cedo, sair para lá, voltar para cá, retornar para algum lugar e vai-se o dia. O que não se faz para sobreviver?

Então vamos trabalhar. Abração forte e beijos! Você desliga, eu confiro na tela do celular. Mais uma vez deixamos passar. Continuamos sem saber por que nos falamos tanto de coisas que nos afligem e esquecemos dos sentimentos.

Há tempos não nos declaramos e isso é sintomático. Pode ser que ainda haja um respingo de amor, mas a paixão, pelo nosso conteúdo, passou por nós e está longe. Sei disso. Não consigo dizer que te amo sem ter a sensação de que estou repetindo palavras decoradas. 


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