sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Prosa - Sobre alguma coisa e pouco mais


Demência temporária assumida essa de ir ao banco e conversar com o caixa eletrônico. Talvez atrás do monitor e das teclas exista alguém bem intencionado. Maldosos há, isso é certo. A dúvida é se naquele exato momento em que você chega um deles está à espreita, após preparar justo o terminal que você escolhe com um dispositivo para puxar dados de sua conta.

A tecnologia é impessoal, indiferente, insensível, calculista e de poucas palavras. O saldo é de onze e noventa e cinco e você precisa inclusive dos centavos para pagar uma conta. O caixa eletrônico avisa sem compaixão que ele só pode te dar valor não fracionado.

Impotente diante da prepotente mensagem você saca dez e bota as mãos nos bolsos para completar o que falta com moedas. Se tiver sorte líquida a dívida. Caso contrário volta para casa revirar xícaras e latas para achar níqueis. Livros e cadernos são folheados para ver se, por descuido, uma cédula de dois reais não foi esquecida como marcador de página.

Serviço indisponível no momento. É que os terminais estão sem comunicação com a central. Central? Quem é esta fulana? Por que ela se põe incomunicável na hora que tanta gente precisa dela? Imagino-a como uma presidenta Dilma: intocável, soberba e sem tempo a perder com pessoas que trabalham, recebem o salário e no dia do vencimento correm de manhã a um terminal para pagar a prestação do financiamento da casa própria.

Isso logicamente é injusto. Que culpa tem a Dilma se a tecnologia falha? Ela provavelmente nem vá a um caixa eletrônico quando precisa sacar ou pagar alguma fatura. E que culpa tem a presidenta se os responsáveis pelo bom funcionamento da tecnologia relaxam?

Viram como aqui entramos numa abordagem normalmente desprezada? Pois é, a tecnologia também é carente. Como um bebê que precisa de leite na hora certa e após satisfeito arrota, a tecnologia exige manutenção. Quanto maior é o uso, menor deve ser a periodicidade da babá nos cuidados com a fria estrutura de metal, plástico e vidro.

A diferença imediata é que o bebê reclama quando faltam os cuidados da babá. A máquina apenas pára de funcionar. A diferença sentimental é mais ampla: o bebê a gente ama mesmo ele chorando por leite; a máquina a gente dá um soco e xinga. Outra diferença, a conceitual, é que o bebê é uma vida, enquanto a máquina só funciona se a gente dá vida a ela. Então por que somos dependentes dela?

Porque a tecnologia é feita e aperfeiçoada para tornar as relações humanas cada vez mais impessoais. A gente que não tem a obrigação de manter a tecnologia em estado de funcionamento e precisa dela é refém dos que deveriam deixá-la em dia sempre, nos saldos negativos e positivos.

Por isso eu mudei de postura. Pelo menos no dia de conferir o depósito do meu salário na conta eu sorrio para a máquina da minha agência bancária. E ela me devolve, cuspindo cédulas, como se me dissesse: “Aproveita que é só hoje. Pelo que sei das suas contas amanhã o teu saldo estará quase no zero”.


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