segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Conto - Mudanças


Chuva pouca de nada vale. Sobe mormaço da terra quente, molhada com pingos que nem poeira deita. Dá gastura, feito um arfar de peito forçado. E o suor empapa a roupa que de tão encharcada gruda no corpo.

Maria precisa de muita água para matar a sede das plantas. Elas preparam as flores de setembro. Dão botões que o sol castiga. Avisam que nem todas abrirão se a estiagem teimar. E as cores deixarão de ser soberanas no jardim.

São tantas as espécies naquele cantinho do quintal.Tulipas, violetas, petúnias, lírios, crisântemo e boca-de-leão, no mínimo, poderiam bater no domínio verde das folhas. Há tempos não se vê uma borboleta por ali. Só os pássaros descem de manhã e à tarde.

O jardim de Maria já deu ramalhetes encorpados tantas eram as variedades. Pétalas secaram nos livros e nos cadernos. Cantoneiras ganharam vasos cobiçados que chamaram abelhas, visitas bem-vindas na varanda protegida pela sombra do abacateiro que de muito carregar já quebrou telhas anos seguidos. Os bebedouros pendurados aos galhos saciaram muitos beija-flores.

Outras épocas. O sol nem tão quente era mesmo se a chuva demorasse. Agora ele cozinha a pele e quanto mais claro é o chão de cimento mais faz espalhar o calor. Ainda que Maria se pôs valente e defendeu seus pedacinhos de terra no terreno hoje coberto de concreto. O do canteiro, lá nos fundos, e o das flores, no lado oposto ao portão de entrada e saída dos carros.

Os meninos corriam de calções de elástico, pés no chão, sobre terra e grama. Manoel era dono de uma bicicleta, condução ideal para o trabalho e as compras. O maracujá doce, tão raro nas feiras hoje em dia, colhia-se na beira da varanda. E o limão rosa apanhado do pé fazia o suco do almoço.

Hoje são três carros. Com eles o chão nativo ganhou cimento. O portão é eletrônico e a cerca de madeira foi trocada por tijolos rebocados. A casa de tábuas ganhou novos cômodos em alvenaria. Nem um vento sopra lá fora. Maria pensa que o seu quintal, adaptado para os dias de hoje, rouba o bem-estar que havia outrora. E ela transpira enquanto rega com a mangueira a roseira que nega flor.


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