quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Crônica - Mamãe...


Uma Caloi Barra Forte branca e azul, pneu balão, aro 26! É a grande dúvida da minha adolescência em relação ao seu sentimento. Foi um presente seu de Natal. Chegou em casa semanas antes, já no período de férias escolares. Novinha, sem riscos na pintura. Brilhava e causava inveja na vizinhança. Uma buzina de pilha anunciava a minha chegada. Qualquer poça d’água em que eu passava exigia uma lavagem completa. Eu perdia horas tirando a sujeira com água e pano.

Minha bicicleta nova era mais do que uma condução. Era o seu presente de Natal. Imagino hoje quanto você lutou para comprá-la. Vestidos, saias, blusas e calças foram cortados, costurados, provados e finalizados dias e noites seguidas para ajuntar o dinheiro necessário para o meu presente. Quantas linhas passaram pelas agulhas que fizeram os arremates das confecções? Faço idéia que foram muitas. Assim como foram tantos os momentos de alegria estampados em seu rosto por perceber que o seu presente me deu a bicicleta que eu queria e a felicidade por tê-la merecido.

Usei a bicicleta que eu ganhei de você por três anos. Variei com ela: quando a moda era deixá-la sem os paralamas e a bagageira assim o fiz, cuidando-me para avisá-la que as peças seriam guardadas e depois repostas. Fui à escola, fiz compras, realizei passeios e brinquei com os colegas jogos de habilidade como condutor: andar sem segurar o guidão, empinar a dianteira, fazer cavalo de pau, apostar corrida e vencer trechos de lama sem cair.

Um dia troquei a Caloi que foi presente teu por uma monareta de segunda mão. Não pedi o teu consentimento. Na verdade fechei o negócio sem me dar conta que havia desfeito de algo que valia para mim e para você mais do que um bem material feito de ferro, plástico e borracha. A Caloi que eu ganhei de você continha uma das provas materiais do amor de mãe para filho.

Dentre tantas outras materializações desse sentimento, a Caloi era a que mais tinha te custado. E não por isso, mas por ter me contentado de um jeito pleno, a minha bicicleta valia muitos sacrifícios no seu ofício de costureira e na sua missão de mãe, dona-de-casa, mulher e pessoa que não mede esforços para dar mais do que é possível aos filhos.

Faz tanto tempo e você se foi. Comigo fica esta dúvida: o que você deve ter sentido quando me desfiz da bicicleta que você me deu?


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