Liete acordou nada bem. Dói o
pescoço e de lá sobe a sensação de dormência à nuca até chegar ao cérebro. Não
se define um ponto, parece uma bola menor dentro de outra maior. Olhar para os
lados transfere a coisa ruim como se ela estivesse balançando.
Justo hoje, dia da festa de
aniversário da comadre Marília, vizinha conhecida de longe. “Ela me faz mais do
que qualquer parente”, balbucia consigo mesma. "Vou fazer de conta que
estou bem. Isso logo passa. Se amolecer é capaz de piorar". Pequenas
mentiras às vezes são oportunas, pensava Liete, que havia assumido o
compromisso de organizar uma surpresa à aniversariante.
Uma festa simples. O bolo não
podia faltar. De complemento alguns salgadinhos para abrir o apetite e suco
natural no lugar de refrigerantes. Somando os familiares mais próximos, amigas
do grupo de oração e cinco ou seis vizinhas não passaria de trinta pessoas.
O bolo está nas mãos de
Trindade. Ela já trabalhou em panificadora e entende como ninguém dessas coisas
de recheio e glacê. Antonia assumiu bater as mangas no liquidificador e passar
as laranjas no espremedor emprestado de Eugênia. O suco, portanto, está
garantido.
E os salgados ajuntaram
Zenaide, Mirtes, Dalva, Silvana, Dora e a própria Liete. Duas preparam as
massas, duas se encarregam dos recheios e duas ficam na fritura e no assado.
Crianças não recusam bolo, mas caem que nem um triturador nas coxinhas e nos risoles,
avaliam as mulheres. Elas calculam que a quantidade terá que ser de razoável à
exagerada. É melhor sobrar do que faltar.
O problema é a dor de cabeça.
Um paracetamol deve aliviar, mas ainda ecoa feito um trovão a bronca do médico
por causa da automedicação. Liete ficou quatro horas no pronto socorro com o
soro pingando a conta gotas após a pressão saltar. E os sintomas são parecidos.
Um esforço não vai fazer mal,
aposta Liete. A surpresa está agendada para às três da tarde. Agora, pouco
antes das oito, ela já ajeita a mesa onde os salgados serão preparados. E
começam a chegar as amigas. Cozinha quente por causa do forno ligado. Conversas
atravessadas. Correria até o supermercado para comprar ingredientes. Telefone
tocando. E a dor martelando.
Às vezes ela nem se percebe
tamanha é a bagunça. Outras vezes lateja. Nem almoço foi servido, pois as
mulheres provaram as primeiras frituras e assados. Arlene e Cecília ainda não
chegaram. Pudera! Deixaram para a última hora a compra do presente de
aniversário.
Faltam duas horas para a
comemoração. As amigas vão para suas casas para o banho, os perfumes, os batons
e os vestidos novos. Liete pede ao filho que a leve ao hospital. A dor estava
insuportável.
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