quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Crônica - A sopa que afoga a mosca

Via de mão dupla! Vai e volta, bate e rebate. Injusto pensar o mundo com um olho só, seja esquerdo ou direito. Até já se cantou do pentelho que escapa sorrateiramente das roupas íntimas e se mostra escandaloso no meio da sala, sobre o piso cor de marfim, sem que ninguém possa pisá-lo para puxar e esconder sob o sofá. Diante dos olhares matreiros e enojados das visitas, aquilo fica exposto, encarapinhado e denunciador, além de desafiar e ironizar quem o perdeu. Como se perguntasse, rindo: “Quer enganar, é? Vai dizer para as visitas que sou um cabelo seu que escapou do alisamento e foi banido do grupo dos esticados?”

Vejam que a situação é tão constrangedora quanto o que foi cantado: a mosca que pousa na sopa. E isso não é exclusividade de Seixas, o Raul. Essa mosca é antiga. Já entrou em crônicas, contos, romances, filmes e peças teatrais tanto quanto é freqüente no cotidiano de milhões de pessoas no mundo. Não só nos restaurantes e nas salas de jantar. A mosca entra na sopa em diferentes locais e situações. 

No namoro a mosca na sopa é o pai da moça entrando na sala justo no instante em que o rapaz tenta roubar um beijo ousado, com lábios nos lábios e mãos em outro lugar. Para esse mesmo pai, a mosca na sopa é ele entrar na cozinha e soltar um pum sem perceber que a filha e o namorado estão atrás. Esse mesmo casal protagonizará outra cena de mosca na sopa ao flagrar a mãe dela, que está fazendo regime e academia para perder peso, botando na boca uma colherada de sorvete roubado do congelador. Aliás, nesse caso são duas moscas: a do sorvete devorado e a do uso da colher que levou à boca para pegar o sorvete do pote tamanho família.

Vejamos como seria inverter esses eventos. E se a mãe justificasse que é só um tiquinho de sorvete e que a boca dela não tem sapinho? Poderíamos dizer que ela está afogando a mosca com a sua sopa? E se o pai dissesse que foi só um punzinho bem seco? Isso equivaleria a usar a sopa para afogar a mosca? E se o namorado explicasse ao pai da moça que quando a beijou a mão ficou mole e caiu bem ali? Estaria o namorado entornando a sua sopa na mosca?

É complicado chegar ao sim ou ao não. No caso do namorado se explicando ao futuro sogro, por exemplo, corre o risco da mosca, mesmo banhada com sopa quente, voar e logo em seguida pousar em outro caldo. O punzinho seco não justifica nada. Fica-se a nojenta impressão da bitola desregulada. Quanto à mãe, o sorvete e a colher, mesmo que não haja sapinho sobra a realidade cruel: gorda, gulosa e nojenta.

Quanto ao pentelho somente persistiria a forçada concordância e compreensão se a visita fosse íntima. Mais ou menos assim: “Desculpe amor. Olha o que caiu quando tirei a roupa...” E ela responderia, sem nenhuma convicção: “Isso acontece...” Assim, concluímos que a mosca continua a vilã pentelha da história.


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