terça-feira, 14 de agosto de 2012

Crônica - Consortes com ou sem sorte


Fiel consorte de Getúlio na cama e nos locais alternativos da casa para o desfecho físico do amor, Leda só compartilha com o cônjuge o destino. Juntos na alegria e na tristeza, tanto quanto no saldo bancário suculento e no limite estourado do cheque especial. Trinta anos, uma vida.

Bons dicionários dizem que o consorte é aquele que compartilha da sorte. Títulos, bens móveis e imóveis e até poder pertencem aos dois. Na prática a teoria funciona: Getúlio mancha a cueca e quem lava é Leda. Leda prepara a comida e quem fica com a fatia mais nobre do assado é Getúlio.

Sujeito comilão! É sempre o primeiro a fazer o prato. Pega da carne a parte com gordura e deixa para ela os fiapos com nervos. Tem gente que diz que o consorte é o próprio: cônjuge. Divide não só a sorte, mas também o destino.

Eis o problema, destino. Getúlio bate com o carro na quina do muro e a culpada é Leda, acusada de tê-lo levado à distração só para falar mal da vizinha. Na outra via, Leda troca de cabeleireiro e se enfurece com o corte a mais nas pontas do chanel. Culpa do Getúlio, que ficava enciumado com o carinho do anterior à esposa.

Certa vez ambos faziam amor no quintal e foram flagrados por visitas, pessoas que invadem sem ao menos bater o portão com força. Leda responsabilizou Getúlio porque o grupo de amigos que chegou era mais íntimo dele. Getúlio devolveu: não fosse a tara dela de querer sair da rotina...

Brigas acontecem. No supermercado ele empurra o carrinho de compras e ela escolhe o que vai levar para casa. De cada cinco itens que Leda bota no carrinho Getúlio elimina pelos menos três. Isso tem troco. O desconto é na cerveja que ele precavidamente coloca sob as outras compras. Ela faz que não vê e só na boca do caixa reduz a quantidade de latinhas pela metade.

É um quebra no caminho de volta para casa. Getúlio, avermelhado de raiva, avança no sinal amarelo e tira fina de ônibus do transporte urbano. Leda se treme toda mas não dá o braço a torcer. Sintoniza o som automotivo numa FM universitária que roda grupos alternativos cantando músicas de trinta anos atrás com roupagem e arranjos vencidos.

E nova discussão se inicia. Leda diz que prefere os intérpretes de agora. Getúlio retruca que os alternativos fazem sujeira em cima da inspiração, do talento e da criatividade dos artistas de outrora.

Com sorte eles terminam de pagar o financiamento da casa daqui a oito anos. É dívida pesada que nem permite a troca do carro por um modelo de câmbio automático, direção elétrica, ar acondicionado e coçador de costas no encosto dos bancos. São consortes e vivem bem nas brigas e nas conciliações. Não fosse assim teriam se separado no terceiro mês após o casamento. 


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