quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Crônica - Comam churrasco, não matem Andança

Ouço Andança, de Paulinho Tapajós, Edmundo Souto e Danilo Caymmi, com fone de ouvido. Porque quero curtir a letra e engolir a melodia pela alma:...olha a lua mansa... (me leva amor) / se derramar / ao luar descansa meu caminhar ... (amor) / meu olhar em festa... (me leva amor)...

É como se fosse uma mixagem bem feita. Duas músicas em uma. O fone de ouvido a que recorro não é para melhorar a audição. Entende-se Andança até num tocador de CD precário e em baixo volume.

O problema é que uma geração lá de trás adotou a música para churrasco. Do tempo quando Jorge era Ben, não tinha inventado o Benjor. Que Chico escrevia poesia, compunha e cantava. Gil nem havia experimentado o poder. Já Caetano era tão prepotente quanto agora.

As músicas desses talentos animavam botequins e encontros de cerveja e carne queimada. Estudantes e intelectuais, principalmente, sabiam a letra. Poucos cantavam. Mas tentavam. Alguns tocavam, outro tanto arranhava cordas de violões. E coitado dos atabaques!? Detonavam.

Depois de dois copos ninguém percebe desafinos. O que for gritado é som. Aliás, a intenção de cantar entre goladas e pedaços de pão e churrasco era manifestada nos preparativos do encontro.

Quem vai providenciar a carne? Fulana fica responsável pelas bebidas. E o violão? Liga para o Beltrano e peça para ele trazer aquele vizinho que toca bem pra caraca. O atabaque deixa que eu levo o meu.

Na hora da festa a música até que começava afinada. É que o puxador normalmente entendia do assunto. E quem cantava sozinho era o cara do violão, dono da situação e tão hábil no dedilhar quanto no vocal. Só então vinha o desajeitado, atabaque que comprou com dinheiro do décimo-terceiro embaixo do braço.

E tudo virava rumba, sunga, tango e samba. O cara pensava que sabia ser percusionista. Achava que tocava. Mas na verdade batia no treco. E a partir dele esculachando na música chegava sempre aquele, rapidinho para ficar bêbado, querendo cantar Andança. Era o estrago, mas vinha sempre a turma dissimulada: “Nossa ele toca tão bem o atabaque. E como canta...”

Outro dia, sábado à noite, percebi churrasco na vizinhança. Pelo cheiro e pelas músicas. Cantaram Andança tão mal que deu vontade de chorar de raiva. Eram, provavelmente, cinquentões lembrando dos bons tempos. Mas o que fizeram foi matar Andança. 


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