segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Conto - Presente de agosto

Deu para ajuntar uns dez reais, pouco menos, talvez mais. Diferença pouca tanto acima quanto abaixo. O que comprar com o dinheiro, este é o dilema. Há tempos ele anda cabisbaixo. Mesmo quando sorri e tenta ser carinhoso com as crianças o que seu rosto expressa mostra uma tristeza que machuca quem vê e lê nos olhos daquele que está em frente uma mistura nada boa: amargura, revolta, angústia, decepção, dor, desânimo e nenhuma esperança. O que, disso tudo, faz um homem andar com o rosto virado para o chão? Tudo.

Pudera eu ser grande. Fosse assim bem que eu poderia fazê-lo caminhar olhando adiante, por mais longe que fosse. Alguém um dia disse que enxergar a linha do horizonte é possibilidade de acompanhá-la após a descida que a bola do mundo faz. Feito isso basta seguir. Há de chegar o momento em que se pergunta: tantos declives para onde? E num determinado estágio se conclui que cá para quem olha de longe o horizonte é descida. Mas ao atingir aquele ponto, do local onde se está o que se apresenta é subida.

Eu o acompanharia nessa viagem. Por minutos, horas, dias, semanas, meses, anos e décadas, seria parceiro mesmo que preso a um silêncio por causa do medo de nada encontrar no lugar e no tempo para onde se vai. O temor é, queiram ou não, acompanhante que se leva e se traz de volta na hipótese do que for achado estar aquém do justo e do merecido. Como é que se avalia o justo. O que é merecido?

Nem capacidade para medir essas coisas eu tenho. Quanto mais sair. Deixar o porto seguro e se embrenhar nessa selva de cimento, vidro, aço e plástico é aventura. Principalmente porque nunca se traça uma reta, o caminho são ruas e avenidas, vielas e descampados, contornos e desvios. Seria isso a incerteza de quem pretende sair do lugar? Parece que sim.

Papai perdeu o emprego. Após o desespero de mamãe e dos filhos mais velhos ouvi ela atenuar, com forçado conformismo, que outra vaga se abrirá. Essa cena se repete há oito meses. Desespero, tudo se ajeita, apoio e um desfecho: Deus vê tudo e o emprego virá de novo. Quando? Então completam que mais cedo do que se espera, embora o tempo de Deus seja diferente do nosso. Papai faz bicos por enquanto. Tenta vender assinatura de telefone, televisão, revistas e o que mais as suas condições permitem.

Sai todos os dias muito cedo. Eu o vejo da janela, indo. Tenho impressão que está entregue ao destino. Vai a pé, com a pesada maleta cheia de contrato que demoram a ser preenchidos e assinados fazendo-o vergar para os lados. Ontem ouvi alguém perguntando o que ele queria ganhar de presente no Dia dos Pais. Ele respondeu que a força que lhe dão é o bastante. Nada mais disse.

Sábado acompanhei papai e mamãe nas compras do supermercado. Antes ele era quem fazia os pagamentos. Agora é ela. Sei que não é por orgulho ou qualquer outro sentimento esnobe de macho, mas percebo que papai gostaria muito de ser o responsável pelo pagamento da nossa comida e dos produtos básicos de casa. Como era no passado, quando mamãe, com o seu salário, corria ao centro para comprar as nossas roupas e os nossos calçados.

Então decidi que os dez reais que eu tenho não serão gastos num pacote de meias ou cuecas. À noite, enquanto ele cochila no sofá da sala, sorrateiro vou ao quarto e coloco o que tenho na carteira dele. Mesmo que ele gaste esse dinheiro para me comprar chocolate. Esse é o meu tempo e o meu ato. É o meu presente. Feliz Dia dos Pais, Dona Dilma!


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