quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Conto - Mala vazia, bagagem pesada

Nem uma mala cheia, pouca coisa deve ser levada. Bastam alguns pares de calçados e calças, peças íntimas suficientes e blusas leves para enfrentar o calor. A viagem é de projetos, o lazer será uma possibilidade adiável. Fotografias digitais deletadas, e-mails desativados, decepções, tristeza, lágrimas e desilusão, tudo isso é descartável na partida. Impossível, porém, desvencilhar-se deles. São coisas que lotam caminhões. Imensos e invisíveis, pesam na bagagem, arqueiam os ombros e envergam a coluna. Ao persistir com a carga, quem a carrega vai ao chão.
Rastejar. É assim que se pode ir. Como puxar o corpo com os braços, concentrando toda a força nas mãos qualquer que seja o tipo do piso onde se vai: liso, de pedregulhos, em concreto ou de puro barro. Na subida e na descida, assim como no plano, faz-se muito mais do que o preciso para sair do lugar. O percurso é perigoso quando se anda assim. Desconhece-se o que há após a curva, mas esquenta o temor sobre o que virá.
Quarenta e um anos, deveria se o tempo justo de viver. Nem Ligia sabe do que está fugindo. Se o destino que ela busca trará alívio, se haverá retorno, se chove ou faz sol onde ela quer ir. Não é um lugar o que ela busca. É um estado de espírito. Pouco importa as condições geográficas, o clima, a qualidade de vida e a cultura. Se houver mar que ele seja calmo. E os rios sejam transponíveis, as ladeiras um tanto suaves, as casas confortáveis e as pessoas amáveis.
A viagem é, afinal, de projetos. O que fazer, como fazer, quando fazer, com quem fazer. Ligia saiu de um casamento que foi bom enquanto durou. Dos onze anos em que viveu junto, sentiu-se só em pouco menos da metade. Foi uma solidão a dois, sem diálogo, parceria e nexo. Quando muito vigorou a piedade de ambos os lados um para com o outro. Mas sem um pingo de solidariedade e muito menos respeito. Piedade, de ter pena do sofrimento do outro. Uma espécie de dó desaforada e irônica coberta com o silêncio, pois se houvesse a necessidade de pronúncia sairia provocativa: coitada ou coitado, nada mais.
Casar de novo? Nem por engano. Retomar os estudos? Jamais. Só restava trabalhar. E a alternativa ficava longe, onde uma sala alugada mobiliada com um divã daria um bom consultório de psicologia. Ouvir os problemas dos outros para esquecer os próprios, assim imaginou Ligia. No entanto, o próprio percurso até lá adiante, onde o futuro com cheiro de novo parecia estar presente, mostrava que a mala até a metade era pouca diante da bagagem de dor, revolta e angústia que ela puxava, rastejando, puxando o corpo com as mãos. E como ajudar outras pessoas a se libertarem de seus pesos se nem o dela Ligia conseguia aliviar?


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