quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Conto - Hora do almoço

A lata com tampa, embalagem de um relógio comprado anos atrás, está quieta. Nem pesa e tampouco se ouve tilintar ao balançá-la. Vazia, espera por moedas que antes chegavam à boca e vez ou outra, de tão cheia, dificultava o fechamento.

O conteúdo era útil para as tarifas do ônibus. Levava-se o valor trocado, enchendo os bolsos traseiros, para evitar demora na passagem pela roleta da lotação. Sim, lotado. O meio de transporte era um empurra de lá e cá, pisão nos pés, roça aqui e mãos disputando os pingentes.

A latinha enchia depressa. Na volta do supermercado e no caixa das lanchonetes as moedas, bem-vindas, sempre abasteciam a vasilha com seus tamanhos e valores diferentes. Havia a ilusão de manter o cofre lacrado. E providenciar outra latinha para enchê-la e lacrá-la, além de outra e mais outras. Quanto se ajuntaria e o que poderia ser comprado? Mas nunca o moedeiro passou de uma única lata tampada sobre o mais alto degrau da estante da sala.

Se foi difícil no passado agora pior ainda. Manoel está desempregado. A carteira de trabalho tem a assinatura de uns quatro empregadores. Em três o período de permanência foi curto. Em um foram vinte e sete anos. Na soma, Manoel trabalha com carteira assinada há 33 anos. Faltam dois para a aposentadoria por tempo de serviço.

Manoel está parado há oito meses. Nem biscates naquilo que entende aparecem. Manoel é contador de curso técnico. Tentou mudar para a área de vendas e saiu por alguns dias com a pasta cheia de planos de assinaturas de telefonia. Apesar da vontade de vender e se dar bem, em três semanas retornou à empresa que o contratou, sem salário fixo, com a porcentagem da comissão ainda no zero.

Foram muitas passagens de ônibus nesse período. E as moedas que mais saiam do que entravam foram deixando a latinha vazia, sem peso e sem barulho. Tão rápido quanto os níqueis, o dinheiro da rescisão trabalhista vai reduzindo os números da conta bancária. O fundo de garantia está separado. Manoel faz de conta que ele não existe. Senão bate a tentação de uma compra desnecessária. De um carro, por exemplo. Para que carro agora? Se encontrar um novo emprego Manoel se dá ao luxo de ter um. Caso contrário, fica na poupança para cobrir eventualidades. Como a de um desemprego ainda mais duradouro.

As moedas também serviram para alguns cafés. Nem todos os dias desse período de salário zero foram de almoços e jantas. O pão com leite sustenta enquanto as vagas estão fechadas. Quem contrataria um contador de formação técnica com quase três décadas de experiência e cinqüenta e quatro anos de idade? Até a nova tecnologia Manoel assimilou no momento que ela veio:computador, internet, recolhimento eletrônico, planilhas, banco de dados e teclados muito mais leves do que os das antigas olivetes. Claro, não é assim que se escreve, mas é deste modo que se fala: olivetes.

Mais um café com leite e pão e manteiga para o almoço. Manoel tem medo de diminuir o saldo da conta. A latinha está vazia. Ninguém telefona para agendar uma entrevista de emprego. Não há mais para onde enviar currículo. Cinqüenta e quatro anos! O mercado de trabalho prefere os de dezoito, vinte ou pouco mais. Manoel prossegue o dia sem almoço. Quem sabe amanhã se comemore com um novo emprego.



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